voltar
Qual a relação do Conjunto de favelas da Maré com a Baía de Guanabara?

Por Lorena Froz

 

Para contextualizar, vamos precisar conversar um pouco sobre a história da Maré. A ocupação desse espaço começou por volta de 1940, junto ao processo de remoção de favelas do centro da cidade e ao processo de migração da população do nordeste para o Rio. Aqui, grande parte das ocupações se deram de forma muito espontânea e com pouco ou quase nada de participação do governo, por isso toda a estrutura sanitária (água encanada, encanamento de esgoto etc) que existe hoje se dá muito por conta dos próprios moradores, que conseguiram lutar por esses direitos, e muitas vezes tiveram que colocar a mão na massa para as coisas acontecerem.

A nossa Baía, tão resistente, também tem sua história de luta. Possui uma área aproximada de 400 quilômetros quadrados, profundidades além de 40 metros e contém cerca de 3 bilhões de m³ de água. Ela possui 55 rios, mas apenas 5 deles não se encontram completamente poluídos, sendo considerada um verdadeiro esgoto a céu aberto. Localizada no coração e cartão postal da cidade do Rio de Janeiro, a Baía deveria ser mais preservada e valorizada, mas o que vemos é o inverso. O que temos hoje é uma região esquecida pelo governo e que só é lembrada em épocas de eleição. Já foram destinados cerca de 2 bilhões de reais através do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) e até hoje ele não cumpriu com o que prometeu desde de sua data de lançamento, em 1994. Ainda contamos com outro plano que também nunca teve suas obras completamente concluídas, que é o Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios em torno da Baía de Guanabara (PSAM), criado em 2011, que tinha o objetivo de levar o saneamento para todas essas localidades em torno da Baía. Na Maré, o objetivo era colocar um tronco coletor para que finalmente pudéssemos nos conectar com a Estação de Tratamento de Esgoto Alegria, que fica ao lado do conjunto de favelas.

 

viva favela

Baía de Guanabara. Foto de Douglas Lopes.

 

Assim, fica claro para entendermos a real necessidade da existência de um planejamento urbano, um plano de esgotamento sanitário; isso é o mínimo para gerar um pouco de conforto para a população que vive na região.

Por conta de não termos um esgotamento sanitário, acaba que todo o esgoto gerado na Maré, por cerca de 140.000 mil pessoas, é diariamente despejado na Baía de Guanabara. Não tem Baía que fique limpa. Pra ficar mais claro, tudo que você dá descarga, tudo o que você joga no ralo, não desaparece, vai parar na Baía.

Essa ausência de planejamento urbano é uma das grandes causadoras das inúmeras enchentes que enfrentamos. Basta cair uma gota de chuva para a favela simplesmente parar. Com uma boa gestão, teríamos bueiros suficientes em pontos estratégicos para otimizar o escoamento de água, principalmente de regiões que historicamente já são alagadiças, como é o caso da Nova Holanda, por exemplo, que está abaixo do nível do mar. Os bueiros que temos hoje não são suficientes para o volume de chuvas e enchentes que temos por aqui, além disso muitos deles se encontram entupidos por conta do lixo que acaba indo pra lá. O serviço de limpeza da caixa de ralo (nome dado a um dos serviços para desentupir bueiros) é realizado pela COMLURB, que na nossa região também está sucateada, com uma quantidade de funcionários muito abaixo do necessário para atender nosso território que tem uma estrutura de cidade, os equipamentos também se encontram com inúmeros problemas.

Falando de lixo, por conta de todos os problemas citados acima, ainda temos uma coleta de muito ineficiente que não conversa com a realidade e dinâmica da nossa comunidade. A mistura de lixo, esgoto, alagamento que demora pra escorrer é a receita perfeita para a transmissão de inúmeras doenças, isso atrai diferentes tipos de vetores (como ratos e baratas) e acabamos entrando em contato com muitas bactérias e doenças. Lembrando que para a população periférica, o acesso à saúde é péssimo porque estamos passando por um sério processo de desmonte da saúde pública.

Assim como a Baía de Guanabara há anos vem recebendo projetos e governantes que juram que vão limpá-la, há também projetos para melhorar as condições sanitárias da Maré, mas as pessoas se esquecem que essas histórias se cruzam e andam lado a lado. A história de ambas está interligada, porque não adianta despoluir a Baía enquanto cair nela 15 mil litros de esgoto não tratados.

 

viva favela

Baía de Guanabara. Foto de Douglas Lopes.

 

Outro fator que não é tão comentado é de termos ainda hoje, inclusive nas favelas do Parque União e Marcílio Dias, colônias de pescadores que vivem dessa Baía, onde toda sua cultura e desenvolvimento se devem a este local que está sendo profundamente esquecido e cada dia mais contaminado.

Então, quando falamos de todas as questões, estamos conversando sobre o quanto esses problemas são complexos e estão atrelados um ao outro, até porque juntamente com tudo isso, temos o processo de intensificação das mudanças climáticas, cada dia mais notórias, cada dia com catástrofes novas. Por conta disso, o nível de chuva de inúmeros lugares pode aumentar muito e em outros diminuir tanto a ponto de deixar a região insuportável. Precisamos entender que esse não é um risco, e sim uma realidade. A forma que temos para lutar pelo nossos direitos é nos informado, sabendo que eles existem.

 

Lorena Froz é mobilizadora do eixo Desenvolvimento Territorial e idealizadora da Faveleira (@faveleiraa), um negócio social de comunicação e educação ambiental, que tem o objetivo de levar entendimento sobre questões ambientais, fazendo um paralelo com o que vivenciamos e o que perpassa nossos corpos, em uma linguagem que as pessoas se conectem e entendam como cada situação as afeta. Uma linguagem de cria para cria.

 

 

Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 2022.

Fique por dentro das ações da Redes da Maré! Assine nossa newsletter!