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Hora de aprender a recuperar o atraso da pandemia

Por Eliana Sousa Silva e Ricardo Henriques, para o jornal O Globo » 

Um dos maiores desafios que as escolas públicas do país têm pela frente, ao iniciar o terceiro ano letivo desde o surgimento da Covid-19, é reverter os impactos negativos na formação de uma geração de estudantes, sobretudo os mais pobres. A pandemia mudou por completo o cenário da educação. Da suspensão das aulas presenciais, em março de 2020, até os esforços para oferecer ensino remoto, híbrido e, por fim, reabrir as escolas, foram 20 meses em que alunos, responsáveis e professores viram suas rotinas serem totalmente alteradas.

Os efeitos tendem a ser ainda mais graves em áreas periféricas, como no Conjunto de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, onde, historicamente, os desafios para a garantia da educação de qualidade são maiores. É o que diz a pesquisa “Covid-19 e o acesso à educação nas 16 favelas da Maré: impactos nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio”, que será lançada pela organização Redes da Maré em parceria com o Instituto Unibanco. A pesquisa ouviu 921 pessoas, entre alunos, responsáveis e profissionais de educação ligados a escolas públicas locais.

De acordo com o Censo Populacional da Maré, cerca de 140 mil pessoas moram na região, mais que em 96% dos municípios brasileiros. Em 2019, cerca de 20 mil estudantes estavam matriculados nas 50 escolas públicas da região. Por isso é imprescindível que as informações obtidas com a pesquisa sejam consideradas no desenho e na promoção de políticas públicas mais efetivas, especialmente em ano de eleições.

O estudo, realizado em 2021, aponta que cerca de três quartos dos alunos da amostra afirmam que aprenderam pouco (48%) ou nada (26%) nos dois primeiros anos da pandemia, e 57% dizem que sua vontade de estudar diminuiu (33%) ou diminuiu muito (24%). O principal motivo disso, segundo os estudantes, é a dificuldade de adaptação ao ensino remoto (35%). Estudantes têm a percepção de não terem aprendido o esperado e, diante do longo período de suspensão das aulas, é compreensível a queda no apetite por estudar. A pesquisa mostrou também que 38% deles não conseguiram acompanhar as atividades on-line e que 43% não usaram os aplicativos criados pelas secretarias municipal e estadual de Educação. No caso da saúde mental, quatro em cada dez estudantes enfrentaram algum tipo de sofrimento emocional.

Cabe destacar que pouco mais da metade dos educadores entrevistados (56%) acredita ser possível reverter a situação por meio da recuperação dos conteúdos. Quase todos eles (95%) se desdobraram para atuar remotamente, pedindo ajuda a colegas ou pesquisando na internet. Professores esforçados, tentando lidar com as aulas remotas. Mas divididos sobre a esperança de enfrentar o cenário adverso resultante do período de ensino on-line. Um olhar otimista permite reconhecer que parcela importante dos professores segue acreditando no poder da educação e na capacidade de virar o jogo.

Não podemos perder tempo. A aprendizagem não realizada foi enorme e, por vezes, em dimensões essenciais para a continuidade dos estudos. Os caminhos para superar os desafios já são conhecidos: busca ativa; reorganização do currículo para recomposição das trajetórias de aprendizagem; uso da tecnologia para inovação pedagógica; garantia de infraestrutura necessária de equipamentos e de acesso à internet; estratégias para mais participação das famílias; e criação de programas para cuidado da saúde mental da comunidade escolar.

O direito à aprendizagem deve ser garantido a todos. Mais que nunca, são necessários novos investimentos e o resgate de antigos compromissos. Assim teremos uma educação pública de qualidade, com equidade, para os estudantes da Maré e de todo o país.

 

*Diretora da Redes da Maré

**Economista, é superintendente executivo do Instituto Unibanco




Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2022.

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