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Entendendo os Riscos Climáticos na Maré: como estamos e como podemos enfrentá-los

Julia Bruce

No dia 24 de novembro, no Espaço Normal, foi realizado o seminário ‘Entendendo os Riscos Climáticos na Maré: como estamos e como podemos enfrentá-lo’, onde duas pesquisas sobre análise de riscos climáticos foram apresentadas, juntamente aos parceiros, como a WayCarbon e o Instituto Clima e Sociedade (ICS).

Um dos diagnósticos foi produzido pela equipe de agentes ambientais do projeto Respira Maré sobre a qualidade do ar e as ilhas de calor e identificou, entre diversos aspectos, uma diferença de temperatura entre o ponto mais quente, na Nova Maré (28,3°C), e o menos quente, na Nova Holanda (26,4 °C), chegando a 2°C de diferença e evidenciando a formação de ilhas de calor internas. No que se refere à qualidade do ar, as concentrações de partículas provenientes de poluentes e poeira no ar (chamadas de “Material Particulado” - MP10 e MP2,5), oscila entre moderado a crítico, dependendo da região, exigindo uma atenção maior para controle pelo poder público e órgãos responsáveis. A iniciativa teve parceria do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

Conheça mais sobre a atuação do projeto Respira Maré aqui.

 

“O diagnóstico sobre a qualidade do ar, por exemplo, trouxe alguns desafios. Muitas pessoas falavam que não era necessário medir a qualidade do ar e as ilhas de calor na Maré com o argumento de que os órgãos públicos dariam conta. Vimos que não é verdade. Acabamos criando uma metodologia que possa ser apropriada em organizações, universidades e, em especial, pelo poder público, para olharmos os problemas que cada território produz. Hoje, ainda temos muita dificuldade de mediar o assunto sobre meio ambiente na favela, visto que voltamos nosso olhar apenas para o saneamento básico. Tem muito mais que isso”, reflete a coordenadora do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais, Shirley Rosendo.

A Maré foi dividida em cinco áreas e foram selecionados pontos específicos que mostravam a heterogeneidade do território: morro, praia, mangue, diversos tipos de construções, que foram todos analisados pelo estudo. O Parque Municipal Ecológico Cadu Barcellos, por exemplo, é a região com maior concentração de CO2 na Maré. Grande parte disso é causada pela queima de acúmulo de lixo, gerando materiais particulados e poluição atmosférica. “Acredito que um ponto positivo foi a construção da metodologia ambiental pensada a partir das contingências na favela e que pode ser aplicada em outros territórios periféricos”, afirma o coordenador geral da pesquisa.

 

“Pra mim, como recém-formada, sempre busquei fazer algo na minha área, mas nunca tinha tido o olhar para o meu território de que ele precisava de um olhar ambiental. Conhecer e participar deste projeto foi muito relevante. Tive exemplos de moradores que tinham a troca diária com a gente, enquanto estávamos parados medindo: moro aqui há 20 anos e agora a minha casa faz muito mais calor ou minha rua não bate tanto o vento quanto deveria, entre outros sensos comuns agregaram muito as nossas pesquisas”, comenta a mobilizadora Marcela, 23.

 

Foto: Patrick Marinho

 

Veja como foi a metodologia e os resultados extraídos de cada medição, feita entre março e setembro de 2023, na pesquisa.




O diagnóstico foi interligado ao eixo Direito à Saúde da Redes da Maré. A coordenadora Luna Arouca contou que a ideia principal era entender como as pessoas são afetadas em relação a sua saúde, mas não conseguiram ter acesso aos dados de saúde da maneira como precisavam. “Trouxemos isso para a Secretaria Municipal de Saúde. No relatório, portanto, fazemos uma relação a partir dos estudos que existem nesse debate apontando que, se esses dados que aparecem na Maré são como estamos encontrando, temos constantemente um impacto de problemas e agravamentos de saúde respiratória e cardíaca por conta da poluição do ar”, atenta Luna.

Além deste diagnóstico, também foi apresentada a pesquisa “Análise de Riscos e Vulnerabilidades Climáticas”, realizada pela WayCarbon, que avaliou três fenômenos climáticos que colocam em risco o território da Maré: ondas de calor, inundações e aumento do nível do mar. Para cada um deles, a população pôde entender por meio de mapas e dados como esses riscos estão distribuídos na região quais são os pontos mais afetados, os seus impactos na vida dos moradores e na infraestrutura do bairro, e alguns exemplos de medidas que podem ser tomadas para reduzi-los. Através de modelos computacionais, foi possível indicar probabilidades de frequências e intensidades desses eventos climáticos hoje e no futuro.

As ondas de calor, fator de Risco Alto a Muito Alto percebido na maior parte das 16 favelas da Maré, causam uma série de riscos à saúde, como desidratação, cansaço, mal-estar, náuseas, dores de cabeça e aceleração de batimentos cardíacos. Quanto mais idosa a população, mais vulnerável ela está aos efeitos deste fenômeno. Hoje, a Maré é formada por 12% de idosos e crianças. A implementação de técnicas como teto verde (formado por vegetações em sua superfície) ou pintura do teto na cor branca, ajudam positivamente a minimizar os efeitos das ondas de calor.

Entre outros fatores climáticos analisados, as inundações fluviais são intensificadas pela ausência de áreas verdes e de infraestrutura de coleta e escoamento da água da chuva, além da proximidade das construções aos rios e córregos. As águas podem ser contaminadas pelo esgoto e levar à proliferação de doenças, por exemplo. Na Maré, o Risco Alto a Muito Alto foi encontrado no entorno da foz Rio Ramos, nas favelas Parque Rubens Vaz e Parque União, onde existem construções muito próximas às margens do Rio. Já o Risco Médio a Muito Alto, no entorno do Canal do Cunha e do conjunto de canais que o alimentam, na foz do Rio Jacaré. As favelas em risco são: Conjunto Esperança, Vila do João, Conjunto Pinheiros, Vila dos Pinheiros e Salsa e Merengue. Estratégias como jardim de chuva (jardins em áreas mais baixas que coletam e purificam a água do entorno, reduzem a velocidade, do escoamento e a quantidade de água que vai para bueiros e canais) e reflorestamento urbano são indicados.

O aumento do nível do mar apresentou um Risco Alto a Muito Alto na costa e no entorno dos rios que deságuam no oceano. 10 das 16 favelas da Maré têm esse risco: Conjunto Esperança, Vila do João, Salsa e Merengue, Vila dos Pinheiros, Baixa do Sapateiro, Nova Maré, Nova Holanda, Parque União e Marcílio Dias. A restauração de manguezais seria super importante neste caso pois eles agem como uma barreira natural contra inundações que começam em rios ou oceanos.

2050 é o ano definido pelo Acordo de Paris, assinado por 196 países, como marco para as metas de enfrentar as causas e conter os efeitos das mudanças climáticas. Projetar resultados para a 2050 permite que a Maré se antecipe a uma realidade muito possível no futuro e construa, desde já, a sua estratégia.

“As pesquisas são fruto do trabalho da Redes da Maré e faz parte da nossa metodologia para produzir conhecimentos. As pesquisas trazem com elas as diretrizes metodológicas da instituição porque produção de conhecimento para incidência política é feita a partir de parcerias”, explica uma das diretoras da Redes da Maré, Andreia Martins.

 

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