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NOTA DE REPÚDIO À DESTRUIÇÃO DO MEMORIAL DO JACAREZINHO

A política de segurança pública do Rio de Janeiro, da forma como é estruturada, não apenas mata nas favelas cariocas, mas nega o direito da existência de humanidade para determinados grupos sociais. Esse fato pôde ser observado quando a Polícia Civil destruiu, nesta semana, o memorial  que lembra as 28 vítimas da Chacina do Jacarezinho, que ocorreu no dia 06 de maio de 2021, considerada a chacina mais letal provocada pelas forças de segurança no Rio de Janeiro.

Sob a justificativa de que o monumento fazia “apologia ao tráfico de drogas”, a Polícia Civil destruiu a intervenção mobilizada por moradores, agindo com a mesma atitude que se pronunciou na época, sobre a chacina ao declarar que a única vida perdida na ação teria sido de um policial. 

O massacre que ocorreu no Jacarezinho, a destruição da memória e a narrativa formulada por representantes do poder público legitimam ações continuadas e estruturantes de violência por parte de agentes de segurança pública, endossando o descumprimento de uma série de normas e leis para atuação destes em territórios de favelas e periferias. 

A ausência de um efetivo controle externo da atividade policial legitima essas práticas, que violam cotidianamente os direitos de quem mora nas favelas e periferias do Rio de Janeiro. Repudiamos tais atitudes, mas não nos causa surpresa que estas práticas tenham ocorrido no Jacarezinho, uma das favelas que está recebendo o projeto “Cidade Integrada”, que prometia investimento em políticas sociais para efetivação de direitos neste território.

Para além do absurdo e brutalidade das mortes que acometeram a 27 jovens negros do Jacarezinho, o direito à memória diz respeito a algo que não pode ser esquecido: estes jovens eram sujeitos de direitos, tinham histórias e afetos que não podem ser apagados. Preservar a memória dos vitimados se define como reparação simbólica e o memorial como ferramenta de justiça social.

Nós, tecedoras e tecedores da Redes da Maré, acreditamos que evidenciar a memória das pessoas que tiveram a vida ceifada pela violência, lembrar de suas histórias e trajetórias é fundamental para visibilizar a humanidade que a violência armada, de forma brutal, quer retirar. A preservação da vida de todo cidadão assim como a memória por suas histórias é um direito a partir do qual os familiares das vítimas podem construir suas narrativas, contribuindo para a desconstrução de conceitos pré-estabelecidos e da criminalização das vítimas de violência armada, especialmente os moradores de favelas e periferias.

A um Brasil que se quer democrático, a Chacina do Jacarezinho e a tentativa de apagamento da memória dos 27 jovens deve causar repulsa e indignação. É de extrema importância reafirmar a condição de cidadãos de direitos de todas as pessoas da cidade, sem qualquer distinção de cor, classe ou local de moradia. Embora os moradores de favelas não experimentem a democracia e a cidadania de forma plena, reforçar seus nomes, histórias e trajetórias é uma estratégia local de resistência e enfrentamento das sistemáticas formas de violências e de violações a que estão submetidos. Toda vida importa.

 

Rio de Janeiro, 13 de maio de 2022

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