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O golpe e o ódio são contra o povo

Assistimos com repúdio aos ataques à democracia brasileira ocorridos em Brasília no último domingo, 08/01/2023. Em momentos como este, nos damos conta do quão frágil é a nossa democracia, apesar dos esforços incansáveis da sociedade civil para fortalecê-la nos últimos 35 anos.


Sentimos repúdio, mas não surpresa. Os ataques foram anunciados por meses, grupos de fanáticos extremistas cresceram diante de nossos olhos por anos. Elegeram representantes nefastos, alteraram estruturas institucionais de propaganda falaciosa e discurso de ódio, construíram as bases para a instalação de suas ideologias antidemocráticas, atentaram contra os princípios que regem nossa nação, limitaram liberdades e o fluxo nas estradas quando derrotados nas urnas, instalaram o terror e depredaram bens públicos e privados quando contrariados, ocuparam espaços públicos com reivindicação explícita de golpe… E mesmo assim, alguns tomadores de decisão não conceberam que seriam capazes de atentar contra as sedes dos três poderes com tamanha bestialidade e terror.


A leniência com que o Estado e as instituições de segurança pública conferiram a estes grupos, por todo o país, é algo que os movimentos sociais que lutam por justiça racial e social, especialmente nas favelas e periferias brasileiras, não estão muito familiarizados. Muito pelo contrário, a repressão que recebem é historicamente violenta e violadora de direitos. Desde os últimos ocorridos em Brasília, tem ressoado acusações de negligência ou conivência às forças policiais e militares, um despertar necessário para a retomada democrática. Mas, do ponto de vista dos setores populares organizados em luta pela plenitude do Estado Democrático de Direito, acusações de abusos de autoridade parecem ter repercussão inócua.


A cobertura jornalística das grandes mídias também precisa ser analisada por este viés. Se por um lado, algumas emissoras minoritárias exaltavam ter acesso exclusivo e ao vivo durante os ataques, sem constrangimento ao que isso lhes reputa em termos de proximidade e legitimidade junto aos golpistas, os maiores veículos do país demonstraram ainda precisar se adaptar a dar nome aos ataques que cobriam. Aos poucos, passaram a declarar com mais convicção e consenso os nomes cabíveis: “terroristas”, “radicais”, “golpistas”. Mas titubearam, cometeram atos falhos, demonstraram precisar de esforço ativo e consciente para corrigir “manifestantes não, terroristas!”. Reconhecemos estes esforços no sentido inverso quando o povo se manifesta nas ruas, com pautas sociais e democráticas: “invasores”, “baderneiros”, vândalos”...


Em tempos em que valores parecem invertidos e posicionamentos democráticos diante do óbvio parecem tão trabalhosos, precisamos questionar: que democracia queremos construir neste novo ano em que setores progressistas reconquistaram, com muitas ressalvas, a hegemonia político-partidária? Que espaço terão as lutas sociais da sociedade civil periférica?
Os simbolismos da frente ampla progressista que derrotou Bolsonaro e a posse histórica do Presidente Lula, com tanta diversidade e representatividade do povo brasileiro, diante da também simbólica ausência do governo derrotado, são muito mais que alegorias: são potência. A reação do governo com o mesmo tom de construção de alianças também o é: uma reunião histórica com representantes das 27 Unidades Federativas e dos Três Poderes; a aprovação imediata e unânime da intervenção federal na segurança pública no Distrito Federal por parte do Congresso; a mensagem clara à nação de que não haverá anistia aos golpistas.


Na Maré, assim como nas diversas favelas e periferias urbanas em que habitam quase 10% da população brasileira, a retomada progressista foi bem recepcionada, como demonstra o balanço das eleições realizado pela Redes da Maré. Mas também é na favela onde mais se espera por mudanças urgentes nas condições de vida de pessoas historicamente negligenciadas pelo Estado, em especial, pelos períodos austeros que esperamos ter se encerrado definitivamente.
Que nunca esqueçamos estes ataques e as dolorosas lições que nos trouxeram. Registramos nosso agradecimento aos trabalhadores de segmentos desvalorizados da sociedade que estão, neste momento, reconstruindo o que os golpistas destruíram. Democracia para sempre!

 

Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 2023

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