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TESTEMUNHOS DE DENTRO • 5

Rio de Janeiro, 01 de junho de 2023

O dia começa chuvoso e frio. A vontade é ficar na cama, debaixo do cobertor e curtir esses dias de clima pouco característico do Rio de Janeiro. Mas entre o desejo e a possibilidade de fazer isso acontecer há um longo caminho. Ontem, 31 de maio de 2023, foi quarta-feira e a semana ainda está na metade. Foi dia de trabalho, de chegar cedo e cumprir uma jornada que vai até o início da noite.

Mas logo cedo, nesse dia, chega a notícia de mais uma operação policial em algumas das favelas da Maré e os moradores acordam com sentimentos que aumentam a sensação de frio. É isso, medo dá frio e dona Marlene, moradora da Nova Holanda, teria um dia feliz e de celebração já que estava completando 75 anos, se não fosse o fato de despertar, às 7h30, com policiais encapuzados dentro da sua casa.

Ela nos conta que estava de camisola e se sentiu constrangida e envergonhada com a presença de tantos homens circulando pelos cômodos da sua casa. Quando os agentes viram a situação criada, tentaram minimizar a violação sofrida por dona Marlene e pediram, simplesmente, que ela se acalmasse. Mas como ficar calma diante de uma invasão de privacidade como a que estava ocorrendo? É possível imaginar essa cena acontecer com você: acordar e dar de cara com pelo menos cinco homens armados e rostos cobertos dentro da sua residência? O que passa na sua cabeça? O primeiro pensamento é que são bandidos querendo te roubar, né? Mas não, são profissionais da polícia. Aqueles que deveriam ter outra conduta.

Complicando ainda mais a situação, dona Marlene conta sobre a agressão física que viu seu bisneto sofrer. Seu filho, nora e bisneto moram no mesmo prédio dela e logo foram até a sua casa para entender o que estava acontecendo.

Ao chegarem lá, presenciaram a situação criada e o medo estampado no rosto da dona Marlene. Ela logo fala com a voz embargada que os policiais ao entrarem na sua casa de imediato perguntam, de maneira grosseira, sobre onde estariam as armas. Ela teria dito que não tinha arma alguma na casa dela, mas, mesmo assim, eles insistem em acusar que haveria. Isso revolta sua família e é nesse momento que o seu bisneto se exalta por ver o estado que a bisavó se encontrava.

Após constatarem que não havia o que procuravam na casa da dona Marlene, os policiais deixam a casa dela como se nada de grave tivesse ocorrido. E fica a pergunta: até quando? Até quando os moradores de favela irão estar submetidos a esta lógica que os criminaliza por serem pobres?

No meio desse episódio e, ao mesmo tempo, pensando que 31 de maio é o aniversário de dona Marlene, seu filho e nora, relataram que não deixariam de ir ao mercado, a fim de comprar os ingredientes para preparar um empadão, pedido feito pela aniversariante para o dia de ontem. É preciso refletir sobre esse gesto e seu significado. Importante reconhecer o fato de muitos moradores de favelas, mesmo diante de todas as adversidades, conseguem ressignificar as dores e os medos por meio do afeto e da luta diária motivada pelo direito de viver.

Parabéns dona Marlene por seus 75 anos. Parabéns por escrever sua história de forma tão digna.

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