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A falta de legalidade das operações policiais no Rio de Janeiro

Já são 15 operações policiais realizadas em 2023 na região das Favelas da Maré. Os disparos de tiros, a circulação de veículos blindados das polícias civil e militar e um helicóptero da polícia militar interromperam, neste 04 de julho, o cotidiano de moradores de nove das 16 favelas da Maré. Não pode ser normal que moradores, numa mesma cidade, tenham percepções e vivências tão diferenciadas quando falamos sobre o direito à segurança pública. Também, não é aceitável que a forma de atuação de agentes da segurança pública esteja pautada num processo histórico de reprodução e manutenção das desigualdades sociais, atingindo as populações empobrecidas do Estado.


Estamos falando de um processo criminoso e perverso que se baseia em propostas de enfrentamento às violências e garantia da segurança pública, desrespeitando-se as leis que valem para determinados moradores da cidade do Rio de Janeiro, em detrimento de outros que sofrem e são tratados numa lógica profundamente desigual. Mas vale lembrar que em um Estado Democrático de Direitos deveriam as três instâncias de poder - Executivo, Legislativo e Judiciário - serem entendidas e funcionarem como mecanismos que vão exercer controle e ter os meios para garantir direitos para qualquer cidadão.
Mas, na realidade, o que observamos no conjunto de favelas da Maré e em outras favelas do Rio de Janeiro é a execução de sucessivas intervenções policiais que, ao invés de proteger quem reside lá, colocam em risco a vida dessa população. De forma violenta, essas ações interrompem as muitas atividades, como: as aulas nas 50 escolas localizadas na região, atendimentos médicos nas sete unidades de saúde e fechamento de quase 3500 estabelecimentos comerciais. Sem falar, de bens danificados, mortes e feridos causados em decorrência de incursões policiais. Diante dessa recorrência de fatos, não deixamos de pensar nos efeitos desse processo para quem reside nessas favelas.


A violência não pode ser perpetrada pelo Estado. Quando o poder executivo age sem o respeito às leis e de forma arbitrária, as outras instâncias de poder deveriam se posicionar, sendo a participação da sociedade civil, por meio de controle social, essencial para o fortalecimento da cidadania.

 

 

Por isso, é tão importante o processo de mobilização social em torno da atuação do poder público durante, por exemplo, as operações policiais nas favelas, com o intuito de fazer valer algumas garantias legais que têm tramitado nas instâncias jurídicas pertinentes. Como a Ação Civil Pública (ACP da Maré), que em 2016 foi a primeira ação coletiva no Brasil que trata sobre segurança pública em favelas que teve efeitos notáveis em relação à redução de operações policiais e de mortes nas favelas da Maré.


A redução desses números está diretamente relacionada à mobilização permanente das populações dessas favelas pelo direito à segurança pública e ao reconhecimento da ACP da Maré como um instrumento de controle social sobre a Política de Segurança Pública no Rio de Janeiro.


Inspirada na ACP da Maré e reconhecendo a importância de envolver o Poder Judiciário nesse debate, em 2019, a ADPF 635, conhecida como a ADPF das Favelas foi protocolada no Supremo Tribunal Federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), juntamente com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e diversas organizações e movimentos sociais fluminenses, dentre os quais a Redes da Maré.


Desse modo, a ACP da Maré e a ADPF das Favelas são instrumentos jurídicos que objetivam prevenir e combater o uso excessivo da violência policial e as recorrentes ilegalidades das ações da polícia nas favelas do Estado do Rio de Janeiro. Importante enfatizar, também, que reduzir as operações policiais significa um impacto direto na diminuição das violações de direitos aos moradores, sobretudo, nos registros de letalidade violenta em dias de intervenções de agentes da segurança pública.


No entanto, apesar dos avanços claros decorrentes dessas Ações, há, ainda, muitos descumprimentos de medidas judiciais impostas ao Estado do Rio de Janeiro. Como é o caso da obrigatoriedade do uso de câmeras pelas polícias em uniformes e viaturas, que vem sendo descumprido desde fevereiro de 2022, de forma irrecorrível. Em junho deste ano, foi reiterada a decisão anterior, determinando o uso das câmeras em todas as situações que envolvam o uso de força, ficando definido o prazo de 30 dias para publicizar o cumprimento e igual prazo para a regulamentação das atividades de inteligência.
Mas, apesar dessas decisões legais, fica evidente a resistência do governo do Estado em implementar o uso desses equipamentos. Está claro, ainda, a intenção de desmobilizar grupos e instituições da sociedade civil que têm investido esforços para fazer valer tal implementação, entendendo serem essas medidas uma forma de qualificar a atuação policial, especialmente quando falamos de favelas.


Na operação policial desta terça-feira (4), uma pessoa morreu e outras três ficaram feridas. Cerca de 5 mil atendimentos médicos foram cancelados e pelo menos 13.729 alunos ficaram sem aulas. Além, é óbvio, dos danos psicológicos, mas também, materiais e subjetivos que as operações policiais deixam nas nossas vidas como moradores de favelas.
Por mais que pareçam as mesmas palavras, frases e pensamentos que se repetem, que se assemelham, não vamos deixar de dizer, anunciar e se posicionar.


Sim, é um posicionamento que se repete diante das injustiças e violações de direitos vividas diariamente por milhares de pessoas. Vamos continuar. Repetiremos quantas vezes for necessário. Quem sabe essas palavras ecoem, em algum momento, e possam fazer sentido para mais e mais pessoas?

 

Redes da Maré

Rio de Janeiro, 05 de julho de 2023

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