Rio de Janeiro, 05 de julho de 2023
As tardes e noites nas favelas da Maré costumam ser muito agitadas e efervescentes. Sons de motos, carros e caminhões disputam com as músicas altas dos bares e casas. A circulação de pessoas se dá de forma constante, tanto em um fluxo interno, entre favelas, quanto em um fluxo de saída e entrada de trabalhadores e estudantes. No início da manhã essa rotina dá lugar à calmaria. Na região do Parque Ecológico, um dos únicos redutos de área verde da Maré, é possível ouvir o canto dos pássaros que fazem ninho em árvores.
Por duas vezes em menos de uma semana, nos dias 29 de junho e 4 de julho, o silêncio das manhãs foi interrompido pelo som estrondoso das hélices metálicas das aeronaves blindadas, com cerca de 10 metros de comprimento e 12 pessoas em seu interior, apontando os fuzis para baixo, a aproximadamente 5 metros acima das casas. Muitas dessas aeronaves, utilizadas pela polícia do Rio de Janeiro, foram instrumentos de guerra em outros países.
O desejo de ver a região das favelas da Maré como um lugar de acolhimento e de realização de sonhos se desmanchou para uma mulher nordestina, que veio do Ceará em busca de uma vida melhor com seu esposo e sua filha de três aninhos. Hoje, como de costume e rotina, Dona Josefa chegou para trabalhar antes do sol raiar e percebeu, na tranquilidade das manhãs, que o dia seria próspero. Mas, ao avistar homens de roupa camuflada rondando nas ruas próximas ao seu local de trabalho, pensou logo que seu dia seria atravessado por sons de tiros e, sequencialmente, uma sensação de ardência em sua perna tomou conta dela. Que desespero! Dona Josefa percebeu que foi alvejada por um projétil de arma de fogo e então grita incessantemente por ajuda.
Os policiais não prestaram socorro à essa senhora e a vizinhança, como na maioria das situações, se mobiliza e articula meios de ajudá-la. Por sorte, Dona Josefa conseguiu nos dar seu depoimento, após idas e vindas à UPA e hospitais. O susto foi grande. Somente no final da tarde desse dia tenso, Dona Josefa consegue se dar conta de que teve muita sorte em poder continuar a criar sua filha e tentar voltar a correr atrás dos seus sonhos.
