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Alunos das favelas da Maré já estão sem aulas 14 dias em 2023

O Ciclo de Conversas Falando sobre Segurança Pública na Maré, uma atividade anual realizada pela Redes da Maré, começou na última segunda-feira, 10 de julho. O tema principal a ser abordado em 2023 é sobre o impacto da violência armada no acesso às políticas públicas em favelas. Serão quatro encontros para discussão sobre os atravessamentos das violências nos direitos voltados à proteção social, o que inclui a educação, a saúde, a cultura e a assistência social.
Os encontros vão acontecer de forma remota. No primeiro, conversamos sobre o direito à Educação e os impactos da violência, especificamente armada, provocados no cotidiano escolar. Somente em 2023, já temos 14 dias letivos sem aulas nas unidades de ensino do conjunto de favelas da Maré. Ou seja, dos 107 dias de aulas previstos no calendário, 13% já não aconteceram. A proposta é que essas aulas sejam repostas de forma remota, mas nem sempre esse formato de aulas atende os alunos da região.


Outro ponto relevante apontado pelos participantes desse primeiro encontro foi sobre os efeitos negativos quando acontece o fechamento das escolas e a suspensão das atividades escolares. Ficou clara a dificuldade de se dimensionar o sofrimento dos alunos, por exemplo, que presenciaram algum tipo de violação de seus direitos durante operações policiais. Cabe, ainda, destacar o impacto negativo sobre a saúde física e emocional dos profissionais da educação e os desafios que têm de lidar com as questões, que precisam ser debatidas com os alunos, em torno das violências que atingem diretamente à comunidade escolar.


Uma professora que trabalha numa escola com crianças de 4 a 6 anos relatou que após uma operação policial nas favelas da Maré, na qual foi usado pelos policiais um helicóptero como plataforma de tiros, uma aluna de cinco anos passou a apresentar episódios de extrema ansiedade e medo, chegando a ter incontinência urinária ao escutar o som de tiros. Isso evidencia as mudanças de comportamento e até o comprometimento da saúde mental de crianças e adolescentes estudantes das escolas localizadas em territórios de favela.


Quando comparada essa realidade com a de alunos de outras regiões da cidade, que não favelas e periferias, fica claro os prejuízos incontornáveis para a vida e o futuro das populações dessas regiões. Além disso, há o fato de alguns docentes não desejarem mais atuar dentro de escolas situadas nesses territórios devido aos riscos inerentes aos confrontos armados. Em algumas unidades, que estão mais expostas a estas situações, existe uma grande rotatividade de profissionais que acabam não permanecendo na unidade ou solicitando transferência.


A escola, além de ser o espaço de efetivação do direito à educação, também é um lugar de convivência, construção de sociabilidade, aprendizados, formação de identidade, memória, construção de afetos. É onde os alunos e professores se dedicam a estar para trocar conhecimento e construir essas relações, formando e sendo formados como cidadãos do mundo. Logo, operações policiais em horário escolar impedem o funcionamento das escolas e, consequentemente, violam uma série de outros direitos.


Cabe ressaltar que o Estado do Rio de Janeiro descumpre a ação judicial que corre no Supremo Tribunal Federal, a ADPF das Favelas, que restringe a realização de operações policiais próximas a instituições escolares. Dentre outras, essa é uma das medidas que visam à proteção das milhares de crianças e adolescentes moradoras de favelas durante confrontos armados.


Além disso, no âmbito da ADPF das Favelas, as operações policiais são previstas como atividades excepcionais e determina o cumprimento de rígidos princípios, principalmente o direito à vida e o respeito à dignidade humana e o afastamento de qualquer forma de discriminação. Porém, o que vemos é que a excepcionalidade é regra, ao ponto de se confundir com a atividade policial em si e sua única finalidade.


É nesse sentido que a elevada quantidade de operações policiais no território que abrange as favelas da Maré, aponta para a sua rotinização, constituindo o verdadeiro modus operandi das polícias do Rio de Janeiro. Cabe refletir, ainda, sobre a desproporção entre os seus objetivos e os seus resultados. Essas intervenções do Estado, a partir do seu aparato bélico, que tem como resultados a perda de vidas e a interrupção de serviços essenciais à dignidade humana como saúde e educação, implicam um grande custo em financiamento público, sendo certo que os resultados são muito aquém dos esperados, quando se trata da desarticulação do crime organizado, e resulta em inúmeras violações de direitos.


É consenso que a educação é um direito de todos os seres humanos, e não é por acaso que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) diz que ela é um bem universal, um direito e um instrumento importante para consolidação da democracia e para as conquistas das liberdades individuais e coletivas. Por que não conseguimos efetivar esse direito para as populações mais pobres desse país?


A Redes da Maré acredita que é necessário um comprometimento de todas as instituições públicas, visando a melhoria das condições estruturais do acesso à educação de qualidade e garantia da vida dos moradores da Maré. Em um território de favela, marcadamente atravessado pelas consequências da violência armada, esse percurso precisa considerar o direito à segurança pública como uma dessas condições estruturais de mudança. Como consequência da operação policial ocorrida nesta terça-feira, 11 de julho, em algumas favelas da Maré, houve o fechamento de 20 unidades escolares municipais e 2 estaduais e, ao menos, 7.640 alunos sem aulas presenciais, comprometendo o direito constitucional à educação e à democracia. Vamos refletir sobre isso?

 

Redes da Maré

Rio de Janeiro, 12 de julho de 2023

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