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Quem tem direito à saúde mental na Maré?

Dia mundial da saúde mental.

Segundo dia seguido de operação na Maré.

Moradores apavorados, escolas e postos de saúde fechados.

Quem tem direito à saúde mental? E o que esses dois dias tem a ver com esse tema?

 

Quando pensamos na palavra Saúde, devemos entender ela como mais do que somente a ausência de doenças. Ter Saúde é ter acesso a direitos. Acesso ao saneamento básico, à alimentação saudável, a espaços de lazer, à educação e à segurança pública. Nesse sentido, pensar saúde é pensar também a saúde mental. Essas duas “saúdes” não são temas separados, afinal, ambas compõem o ser humano que, quando adoece, precisa de estrutura para apoio e cuidado, independente se a doença se expresse em dores físicas ou sofrimento emocional.

Hoje (10) de manhã, nos grupos das equipes da Redes Maré, falamos com os coordenadores de projeto, redirecionando as tarefas das equipes e verificando se os profissionais estavam em segurança. Buscamos acalmar o peito aflito de quem estava escutando helicópteros desde cedo, de quem estava preocupado com o silêncio das ruas, com o que fazer com os filhos que não podiam ir à escola e com a ausência no trabalho. Essa dor é física, essa dor é mental, essa operação impacta a vida dos moradores e adoece cotidianamente mentes e corpos.

O modelo de segurança pública baseada no confronto direto submete moradores de favelas e periferias à incerteza sobre suas rotinas, se vão ou não poder sair de casa, ao medo de uma bala perdida, à negação de direitos, como o de ir e vir. De acordo com o 6º Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, entre 2017 e 2021, aconteceram 132 operações policiais e 114 confrontos entre os grupos armados nas favelas da Maré, que interromperam, por 94 dias, o funcionamento das unidades de saúde da Maré.

MOURA, Daniela. A violência armada na Maré em 2021. In: Redes da Maré. Blog Maré Notícias Online. Rio de Janeiro, 10 mar. 2022. Disponível em: https://mareonline.com.br/a-violencia-armada-na-mare-em-2021/. Acesso em: 28 de setembro de 2023

O contexto de conflito também afasta os profissionais de saúde do território, afetando a disponibilidade dos serviços de atenção, ao mesmo tempo em que a rotatividade dos profissionais impede a criação de vínculo com a comunidade, o que é imprescindível para a geração de confiança na atenção primária.

Essas são somente algumas das consequências da política de segurança pública que afeta a saúde física e mental da população da Maré.

A pesquisa “Construindo Pontes” investigou os efeitos da violência armada na saúde mental e entrevistou 1.411 moradores da Maré, entre 2018 e 2020. Os resultados demonstram como são danosos os efeitos do contexto permanente de violência armada sobre essa população. Pessoas que experimentam situações de violência são mais suscetíveis a apresentar sofrimento mental e pior qualidade de vida. Estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, fobias e tentativas de suicídio são alguns dos transtornos mentais que atingem os que vivenciam confrontos armados.

Os resultados da pesquisa mostram que a maioria da população vive permanentemente com medo. 20% das pessoas entrevistadas acreditam que este estado emocional causa prejuízos à sua saúde física (37% tiveram problemas nos 3 meses anteriores à pesquisa, como hipertensão arterial e doenças osteoarticulares). Entre essas mesmas pessoas, 12% relatam pensamentos sobre suicídio e 30% sobre morte, além de sintomas físicos como dificuldade para dormir (44%); perda de apetite (33%); vontade de vomitar e mal-estar no estômago (28%) e calafrios ou indigestão (21,5%).

Hoje é o dia mundial da saúde mental, no entanto, na Maré e nas periferias brasileiras, ainda estamos lutando para que os governantes entendam que saúde mental é um direito de todos e que inclui o direito de se sentir seguro em casa, o direito de ir e vir, o direito de poder planejar o dia sem temer uma bala perdida. Ou seja, o direito à segurança pública. Sem ele não há saúde, física ou mental, possível.

1 Fonte: “Construindo Pontes: uma investigação sobre saúde mental, violência, cultura e resiliência na Maré”. https://www.redesdamare.org.br/media/downloads/arquivos/BOLETIM_PESQUISA_CONST_PONTES_.pdf O CONSTANTE SENTIMENTO DE MEDO NA MARÉ CONTRASTES SIGNIFICATIVOS [Fonte: Construindo Pontes] POPULAÇÃO DA MARÉ (%) PESSOAS NAS CENAS DE USO (%) DE QUE ALGUÉM PRÓXIMO SEJA ATINGIDO POR UMA BALA PERDIDA NA MARÉ DE SOFRER AGRESSÃO FÍSICA OU VERBAL DENTRO DA MARÉ DE QUE ALGUÉM PRÓXIMO SOFRA AGRESSÃO FÍSICA OU VERBAL DENTRO DA MARÉ DE SE ENVOLVER COM ATIVIDADES ILÍCITAS OU ILEGAIS DE CIRCULAR NA MARÉ 70,9 33,8 46,0 22,9 11,5 52,2 44,7 38,2 48,7 19,3 a saúde física.

 

Redes da Maré

Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2023.

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