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Nota da Redes da Maré sobre a operação policial de 8 de fevereiro de 2024

A Redes da Maré vem a público, mais uma vez, com muito pesar, externar indignação e tristeza diante das atrocidades cometidas por policiais atuantes na operação policial que acontece hoje em algumas favelas da Maré. Os efeitos da violência e do descaso com os moradores são incalculáveis. Estes são expostos de forma recorrente a uma situação de total desmoralização a cada vez que acontece uma intervenção dos agentes de segurança pública na região das 16 favelas da Maré.

Durante a manhã desta quinta-feira, 08/02/2024, os moradores das favelas Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Baixa do Sapateiro e Nova Maré foram surpreendidos por volta de 09h40 com intensos tiroteios. Por aproximadamente três horas ininterruptas, aconteceram registros de tiros em pelo menos uma das favelas citadas e, na maior parte do tempo, em mais de uma simultaneamente. A dinâmica violenta da operação policial foi conduzida pelas Polícias Militar e Civil, causando pânico na maioria das favelas da Maré.

Isso configura um contexto onde direitos fundamentais são violados. Clínicas da Família são fechadas, escolas não conseguem funcionar, moradores não conseguem ir e vir, comércios não podem abrir, provocando danos multidimensionais. Os danos psicológicos são imensos em dias de intervenções policiais, e permanecem no cotidiano depois que elas terminam. Muitos moradores relataram pânico nas redes sociais e buscaram apoio para lidar com a situação sem controle que vivenciaram no dia de hoje. Um homem passou mal e foi socorrido por vizinhos, que o levaram em um carrinho de mão até a entrada de uma rua que faz limite com a Avenida Brasil. Foram identificadas também outras violações e abusos por parte dos policiais. Registramos que dois homens foram feridos diretamente por armas de fogo, um foi atingido por estilhaços e o segundo sofreu agressão e teve o celular apreendido.

A operação policial realizada hoje nas favelas da Maré evidencia o quanto os moradores de favelas e periferias não são reconhecidos no seu direito à segurança pública e existência plena. O modo como os agentes da segurança se comportam quando chegam em territórios considerados periféricos, no estado do Rio de Janeiro, deixa clara a visão preconceituosa e racista com essa população. A razão declarada pelo Estado - recuperação de cargas roubadas e trazidas para região - para as operações policiais ocorrerem não justifica a forma como os policiais agem. Será que a suposta tentativa de recuperar o patrimônio de alguns justifica uma série de violações de direitos, inclusive do direito à vida? Por que não há uma busca pelos esclarecimentos dos fatos com inteligência e responsabilização das pessoas que estão diretamente envolvidas nos episódios a serem investigados? Por que sacrificar e colocar em risco uma população de 140 mil pessoas?

Infelizmente, o triste episódio ilustra duas formas pelas quais o braço armado do Estado enxerga os moradores de favelas: a primeira, como sujeito cuja vida é tratada com indiferença, ou seja, como corpos que podem ser eliminados; e a segunda, que todo e qualquer indivíduo residente em favela é criminoso e, por isso, deve ser punido.

As ações das polícias seguem reproduzindo um modelo falido que tem no enfrentamento bélico sua principal forma de atuar. O Estado, sem dúvida, é um dos principais agentes de violações e violências contra as populações empobrecidas, moradoras de favelas e periferias. Se a violência urbana é uma realidade em toda a cidade do Rio de Janeiro, é necessário que as alternativas de enfrentamento a este cenário tenham como base políticas públicas que traduzam a capacidade do Estado de realizar uma gestão democrática e garantidora de direitos em todos os espaços da cidade.

É Importante lembrar que, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (“ADPF das Favelas”), em vigor por decisão do Supremo Tribunal Federal, há a previsão de que o Estado do Rio de Janeiro cumpra medidas cautelares já estabelecidas para a redução da letalidade policial em operações policiais. A operação de hoje descumpre decisões importantes para minimizar os impactos de ações como esta. Como por exemplo, a falta de equipamento de gravação de áudio e vídeo nas fardas de todos os policiais. Apenas alguns portavam o equipamento e houve relatos de que agentes tentavam esconder as câmeras. Também não foi registrada a presença de ambulâncias, que poderiam ter ajudado a salvar a vida de Jeferson Mota. O rapaz foi socorrido por uma pessoa de carro que passava pela Avenida Brasil.

Jeferson Araújo Mota, um jovem negro de 22 anos, foi alvejado durante uma abordagem seguida de agressões por um policial militar na entrada da favela Nova Holanda. O rapaz, como mostram vídeos que circulam nas redes sociais, não estava armado, não fez nenhuma ação e não oferecia nenhum perigo ao agente, quando foi assassinado por um tiro de fuzil à queima roupa na barriga. O jovem ficou por cerca de 12 minutos sangrando, esperando por socorro, enquanto agentes em viaturas da Polícia Militar e da Polícia Civil passaram, ouviram os pedidos dos moradores por ajuda e nada fizeram. Segundo a família, ele sofria de questões relacionadas à saúde mental.

A Redes da Maré sente muito por essa perda e repudia qualquer tipo de prática violenta. Não podemos mais normalizar os impactos físicos e socioemocionais deixados pelas operações policiais nas favelas. É necessário e urgente pensar a política de segurança pública para além das polícias e dos presídios, com medidas que fortaleçam a garantia dos direitos de todos. É preciso que se reveja a forma de atuação das polícias a partir de uma lógica em que o morador de favela seja respeitado como todos os outros cidadãos que vivem nos demais espaços da cidade.

 

Redes da Maré

Rio de Janeiro, 08 de fevereiro de 2024

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