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Nota da Redes da Maré sobre a operação policial de 16 de fevereiro de 2024

A Redes da Maré vem à público, mais uma vez, com muito pesar, externar indignação e tristeza diante de mais uma morte em operação policial, ocorrida nesta sexta-feira, dia 16 de fevereiro de 2024. Os moradores são expostos de forma recorrente à violência, descaso e desmoralização a cada vez que acontece uma intervenção dos agentes da segurança pública na região das 16 favelas da Maré, causando efeitos incalculáveis.

Por volta das 6h da manhã, moradores relataram em redes sociais os primeiros indícios de que uma operação policial estava para acontecer. Essa é a quarta operação no segundo mês do ano de 2024 e a terceira em seis dias do ano escolar. Segundo a assessoria de imprensa da polícia, a motivação seria o combate ao crime organizado. Ao som de bombas, tiros e correria, o morador do Parque União acordou mais uma vez apavorado e cheio de incertezas do que estaria por vir ao longo do dia. Quem mora em Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Baixa do Sapateiro e Nova Maré acordou com o mesmo sentimento.

Ainda na parte da manhã, a equipe do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça foi acionada em decorrência de uma morte na região da Nova Maré. Segundo moradores, José Jefferson, de 27 anos, estava passando por uma abordagem policial quando eles escutaram tiros e depois viram seu corpo alvejado no chão. Embora as forças policiais tenham informado que a operação policial seguiu sem vítimas fatais, registros fotográficos que circulam na internet demonstram o jovem em diálogo com policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e logo depois registros do jovem baleado no chão. Segundo a família, ao ser informada da abordagem ao rapaz, correu para acompanhá-lo, mas infelizmente souberam que foi levado por vizinhos à unidade de pronto atendimento já sem vida. Os vídeos que circulam são aterrorizantes, além de todo trauma de ver um ente querido ser assassinado de maneira tão brutal, a sua companheira, que está grávida de sete meses, segue em estado de choque.

Em uma semana, esse é o segundo caso denunciado por moradores com situação de morte envolvendo a ação da polícia. Na semana passada, o jovem Jefferson Araújo Mota, de 22 anos, foi atingido à queima roupa em plena Avenida Brasil por volta das 11h50. Além da morte física, a família lida com a morte moral, a criminalização do jovem e, segundo seus familiares, a perseguição de homens descaracterizados que foram até o Instituto Médico Legal e ao enterro do rapaz intimidá-los quanto a publicização do caso.

Até o fechamento desta nota, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro não nos retornou sobre os balanços da operação.

Segundo a Secretaria Municipal de Educação, 22 escolas públicas do município foram fechadas, impactando mais de 7 mil alunos. Outras duas escolas públicas estaduais fecharam, C.E. João Borges e C.E. Professor César Pernetta, impactando cerca de 1.500 estudantes. Essa foi a terceira operação policial em apenas seis dias letivos. As crianças e adolescentes da Maré perderam, até aqui, metade dos dias de aula. Desde 2016, os estudantes da Maré perderam 116 dias letivos! Só em 2023, foram 25 dias sem aulas por conta de operações. Os impactos a curto prazo podem ser sentidos na defasagem no aprendizado de crianças, adolescentes e jovens. Mas a médio e longo prazo os impactos no desenvolvimento de toda uma geração são incalculáveis.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, a Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva foi fechada, impactando em 223 moradores não atendidos. A Clínica da Família Diniz Batista dos Santos suspendeu as atividades externas, impactando moradores que não puderam ser atendidos em casa. Além dos atendimentos não realizados, é urgente falar no quanto impacta na prevenção e no combate à dengue, que já tirou a vida de um morador da Maré e coloca outras vidas em risco, especialmente durante o verão. A campanha de vacinação contra a doença, para crianças de 10 a 12 anos e para idosos foi suspensa em função da operação.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, ou “ADPF das Favelas”, que é um instrumento jurídico de redução de letalidade policial em favelas, foi novamente violada. Ao contrário do que foi informado pela Polícia Militar, nenhum agente foi visto com câmeras em suas fardas. A ação não foi feita com a presença de uma ambulância da polícia, que poderia ter contribuído para salvar uma vida perdida. É a segunda operação consecutiva com morte e sem a presença de ambulância. No caso da morte de José Jefferson, não houve perícia no local. Além da proximidade de escolas e unidades de saúde, a morte de hoje aconteceu entre a Vila Olímpica da Maré e a Areninha Cultural Herbert Vianna que deveria acolher crianças e adolescentes para suas atividades cotidianas.

A Redes da Maré lamenta que as operações policiais continuem acontecendo com mortes. Não podemos mais normalizar os impactos físicos e socioemocionais deixados nas favelas e em seus moradores. É necessário e urgente pensar a política de segurança pública para além das polícias e dos presídios, com medidas que garantam direitos e preservem a vida de todos. É preciso que se reveja a forma de atuação das polícias a partir de uma lógica que o morador de favela seja respeitado como todos os outros que vivem nos demais espaços da cidade.

 

Redes da Maré

Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 2024

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