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Redução de danos como prática de saúde é discutida na 6ª edição do Fórum sobre Drogas na Maré

Julia Bruce

“A redução de danos é fundamental para que o nosso trabalho consiga ser desenvolvido dentro desse território. Todos nós que moramos em favelas, vivemos essa guerra à nossa classe e cor. O que podemos fazer enquanto profissional e morador para que a gente consiga falar mais sobre esse assunto? Ver o Espaço Normal cheio nos dois dias do Fórum me enche de alegria! Há 4 anos era ainda difícil entender o que era a redução de danos e hoje utilizamos como prática de saúde. Redução de danos é saúde”, reflete a coordenadora do Espaço Normal, Elivanda Canuto. Na última edição do Fórum sobre Drogas na Maré, realizado entre os dias 29 e 30 de maio, que reuniu cerca de 500 pessoas, como usuários assistidos pelo espaço de convivência, a rede de serviço de saúde parceiras do território , estudantes, profissionais e interessados no tema.

 

O redutor de danos André Galdino e a coordenadora do Espaço Normal, Elivanda Canuto na mesa: “Redução de Danos e a prática em territórios”, no segundo dia do Fórum sobre Drogas na Maré. Foto: Douglas Lopes

A programação contou com mesas que discutiram a atual conjuntura da política de drogas no Rio de Janeiro, entendendo qual futuro queremos enquanto política pública, a partir de cada serviço público, entre outros atores, além dos impactos da política de segurança pública nesse contexto e como tem sido a prática da redução de danos nos territórios. Nos dois dias também houve ações de intervenção artística, oficinas de azulejaria, dança, entre outras, com a parceria dos projetos Azulejaria e Maré de Belezas, da Redes da Maré, e a Makeba Bijus - iniciativa de geração de renda e trabalho para usuários que são acompanhados pelo Caps.

 

Oficina de azulejaria aberta ao público do evento. Foto: Patrick Marinho

De acordo com nota divulgada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em dezembro de 2022, o maior orçamento previsto para 2023 foi o da Secretaria Municipal de Educação, com R$ 8,8 bilhões. A pasta da Saúde teve o segundo maior orçamento, com cerca de R$ 7 bilhões. Aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023 também aumentou os gastos com Segurança Pública que subiram de R$ 13,4 bilhões para R$ 15,9 bilhões (18,13%). Por outro lado, “escolas e aparelhos públicos estão sucateados. As equipes são reduzidas e não conseguem atender a todos que precisam. As favelas passam por operações e não há justificativas, impedindo o nosso trabalho de atendimento”, atenta o historiador, educador popular e coordenador de Educação e Pesquisa do Movimentos, Aristênio Gomes. Ele e os outros integrantes da mesa “Os impactos da política de segurança pública na política de drogas” reforçam o quanto essas ações são racistas, diminuindo a possibilidade de cuidado para a população, principalmente negra, que é a maior usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) criando diversas barreiras. “Assim, é preciso reorientar o investimento público e orientar o investimento social. Não podemos investir mais em armas e não fazer um investimento na saúde e direitos”, reforça a socióloga, co-fundadora da Iniciativa Negra, gestão e governança na Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Nathalia Oliveira.

Quem vive do outro lado

Segundo o Ministério da Saúde, entende-se que a prática de reduzir danos é um conjunto de estratégias que visa minimizar os danos causados pelo uso de diferentes psicoativos - lícitos ou ilícitos -, sem necessariamente ter de se abster do seu uso. Essa alternativa de saúde pública vem promovendo, cada vez mais, acesso a diversos serviços públicos, como Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centros de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas (CAPS ad), Centros Especializados para População em Situação de Rua (Centro POP), organizações locais, entre outros espaços que acolhem e, acima de tudo, busca trabalhar com a escuta ativa de pessoas em situação de rua. “A gente lida com direitos humanos, com pessoas. Atendemos uma galera que hoje entende o que é redução de danos e elas estão sendo multiplicadoras deste conceito. A droga não mata, quem mata é o descaso, a forma de acesso, o Estado”, diz Elivanda. Veja os depoimentos de pessoas a seguir:

“O maior preconceito da favela é o estigma de uma pessoa em situação de rua” - redutora de danos do Espaço Normal, Lilian Leonel.

“Vejo a redução de danos por um outro lado. Sou uma pessoa trans, vivi na rua e sofri meu primeiro estupro aos 14 anos por quatro homes. Renasci quando as pessoas estavam morrendo - no primeiro momento de pandemia - e fui acolhida pelo CAPS. Aos 40 anos, tive pela primeira vez minha carteira de trabalho assinada e comecei a trabalhar. Também estou estudando no 9º ano. Precisamos voltar a ter um CAPS dentro da Maré e mais divulgação” - trabalhadora do CAPSad III Miriam Makeba e moradora da Maré, Suzy Dornellas.

“Quando fui encontrada pela equipe do Espaço Normal - estava na rua há 9 anos - me perguntaram se eu queria ajuda e disse que queria. Permaneci no CRAS Nelson Mandela por 6 meses e depois a equipe do Espaço me chamou para trabalhar. Voltei a estudar ano passado e aprendi a ler. Escutava sempre uma voz dizendo: ‘não desista’. Tenho mais educação ao próximo e hoje estou me dando um autovalor como mulher. Pra mim essa é a maior felicidade: ser amada e valorizada por inteiro!” - Cristiane dos Santos, usuária do Espaço Normal e atua na frente de geração de renda do equipamento, chamada Entre Bicos.

 

Cristiane dos Santos agradecendo o carinho após sua fala. Foto: Douglas Lopes

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