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Quem tem medo da presença do Estado nas favelas?

A divulgação de mentiras e distorção de fatos quanto à presença de autoridades em regiões da cidade em que as políticas públicas são ineficazes é um fato recorrente. Por isso, vemos nos questionamentos da ida do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a uma das favelas da Maré, o Parque Maré, a oportunidade de esclarecer o que, de fato, ocorreu.

A luta por melhores condições de vida nas favelas e periferias urbanas do Rio de Janeiro é diária. São milhares de pessoas e organizações da sociedade civil envolvidas em uma rede extensa que constrói, dia a dia, possibilidades de avanços de direitos para 1,7 milhão de moradores das favelas da região metropolitana do Rio que, apesar de muitos, são historicamente considerados menos participantes da cidade.

Essa luta diária envolve, dentre muitas ações estratégicas, uma central: que o Estado se implique e cumpra seus deveres também nestas regiões. Não se reivindica mais do que se é de direito: segurança, iluminação, saneamento básico, educação, saúde. É dever constitucional do Estado – tanto em nível federal quanto estadual e municipal – garantir esses direitos básicos para todos.

Portanto, há décadas, se reivindica a devida presença Estatal nas favelas no Rio de Janeiro, entendendo que temos, na cidade, tratamento desigual em relação ao acesso da população às políticas públicas. O distanciamento do poder público e a segregação territorial não interessam, portanto, a quem luta contra a discriminação e o racismo e almeja transformações sociais nas favelas e periferias urbanas. Mas, é visível o interesse de quem quer manter as coisas como estão.

Não é surpresa para ninguém, haja vista a intensidade da cobertura midiática sobre o tema da violência, que a forma mais ostensiva com a qual o Estado se faz presente nas favelas é fortemente bélica e militarizada, em nome de um ineficiente combate à criminalidade que escoa recursos públicos sem transparência e demonstração de efetividade.

Mas talvez possa surpreender a muitos que o Estado também está presente nas favelas de outras formas, como por meio de escolas públicas, unidades de saúde, coleta de lixo etc. Essa é uma presença importante e cotidiana, mesmo que ainda precarizada e inconstante. Por isso, é objeto de muitas reivindicações por melhorias e ampliação dos serviços públicos por parte da sociedade civil.

Sem dúvidas, o Estado se faz presente nas favelas da Maré, mesmo tendo aberto mão da sua soberania em muitos dos seus deveres. Quando olhamos, por exemplo, para o direito à segurança pública, constatamos que, efetivamente, os moradores de favelas nunca o experimentaram dentro de um escopo de garantia de direitos, e precisamos pensar o porquê. Os moradores de favelas não deveriam ter os mesmos direitos que qualquer outro cidadão na cidade?

Criminalizar a presença de uma autoridade pública no Parque Maré, uma das 16 favelas da Maré, que foi recepcionada por organizações da sociedade civil e coletivos de cinco favelas do Rio de Janeiro, que atuam na produção de dados e processos de incidência, é algo inaceitável! Há décadas promovemos diálogos com o Estado para a construção de outras formas das políticas públicas atuarem nesses territórios.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, participou do evento de lançamento da 7ª edição do, justamente chamado, Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, que reúne dados de 2022 sobre as violências que sofrem os moradores nas 16 favelas da Maré, a partir dos confrontos sistemáticos que acontecem entre as polícias e grupos armados e estes entre si. Já é o sétimo ano em que a Redes da Maré publica essas informações, a partir do projeto "De Olho na Maré!", realizado pelo eixo de trabalho que chamamos de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça. Ele também esteve reunido com sete coletivos e organizações de outras comunidades do Rio de Janeiro para debater os desafios no campo da segurança nesses espaços.

 

Ministro da Justiça - Lançamento Boletim

Como uma instituição da sociedade civil de base comunitária, sabemos da importância de reunir dados e evidências para mostrar para a sociedade que são inadmissíveis as violações de direitos que ocorrem diariamente, atingindo 140 mil moradores só nessa região. É cruel a naturalização e a perversidade de certos grupos que estimulam, inventam, mentem e distorcem, a qualquer custo, fatos que não correspondem à verdade.

Que medo é esse que se revela ao se perceber sinais (ainda simbólicos) de uma mudança de atitude em relação às favelas? Que medo é esse de que o Estado se faça presente de outra forma nas favelas? Os que se atemorizam e lançam mão de acusações e desinformações para refrear os ventos de mudança é que precisam se explicar para a sociedade brasileira.

Por isso, tornamos pública nossa indignação, como tecedoras e tecedores da Redes da Maré, com a tentativa de certos grupos de criminalizar o ministro Flávio Dino pela presença e escuta de nossas lutas. Isso nos atinge profundamente, pois, na realidade, é exatamente isso que sofremos todos os dias pelo simples fato de lutarmos por justiça.

   

Rio de Janeiro, 16 de março de 2023

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