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II Encontro de Assistentes Sociais da Maré

Julia Bruce

“A Maré é uma escola prática e, ao mesmo tempo, uma escola do sonho que a gente quer fazer. No nosso dia a dia, fazemos atendimento, pensamos em processos de articulação, de mobilização, enfrentamos dificuldades do sucateamento dos serviços, de continuidade dos nossos trabalhos, mas também sonhamos por um mundo menos desigual em nossas instituições”, introduz a assistente social e coordenadora da área de Incidência Política da Redes da Maré, Lidiane Malanquini, na abertura do II Encontro dos Assistentes Sociais da Maré, realizado no dia 24 de maio, no Centro de Artes da Maré. A iniciativa tem o propósito de reunir os profissionais que atuam nas diversas frentes de atendimentos sociais do Conjunto de Favelas da Maré.

O II Encontro das Assistentes Sociais da Maré foi marcado pelo lançamento do catálogo “Instituições da Maré - 2023”, um documento que contém endereços e informações de atendimentos dos serviços públicos disponíveis para toda a população mareense, como escolas e creches municipais, hospitais, clínicas da família e postos de saúde, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), delegacias de proteção à criança e ao adolescente, atendimentos aos idosos, redes de proteção aos LGBTQIAP+ e às mulheres, entre outros. O conteúdo foi desenvolvido no âmbito da parceria entre a Redes da Maré e a Universidade Federal Fluminense (UFF), através do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares (NEPFE).

Esse catálogo foi criado a partir da necessidade de sistematizar serviços públicos do território surgida em um primeiro encontro realizado nos anos 2000 que envolveu diversos assistentes sociais da Maré e de outras favelas do Rio de Janeiro. "Tínhamos a necessidade de sistematizar o que seria, para a Redes da Maré, o trabalho de atendimento social na Maré. Começamos um curso de extensão para todos os trabalhadores que faziam atendimento. A partir disso, fomos entendendo algumas demandas de equipe social e sistematização das instituições públicas que atendem o território com serviços gratuitos”, explica a assistente social e professora da UFF, Eblin Farage, mostrando, dessa forma, que trabalhos sociais não devem ser exclusividade dos assistentes sociais, pois é um trabalho multidisciplinar. Atualmente, a Redes da Maré tem mais de 30 assistentes sociais trabalhando nos diferentes eixos da organização.

 

Eblin Farage é doutora em Serviço Social pelo Programa de Pós Graduação da UERJ e atualmente ministra aulas da área de Fundamentos do Trabalho Profissional na UFF, integrante do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional (PPGSSDR). Foto: Douglas Lopes

 

Articulação em rede e do trabalho multidisciplinar na assistência social

Também participaram da mesa “O papel do Serviço Social para a favela da Maré” representantes da Luta pela Paz, da Secretaria de Assistência Social, do CAPS Magal e da Redes da Maré. A assistente social da 4ª Coordenadoria de Assistência Social (CAS) - uma das 10 coordenadorias de assistência social no município do Rio de Janeiro - Lilian de Brito, apresentou como se dá a dinâmica dos equipamentos públicos de atendimento social localizados no entorno do Conjunto de Favelas da Maré e a luta que existe para alcançar políticas públicas mais efetivas, mesmo já havendo força de uma articulação em rede.

“As pessoas em situação de rua, por exemplo, fazem parte da cidade do Rio de Janeiro, da saúde, da assistência, do trabalho e renda, da educação e da sociedade porque todos nós temos responsabilidades. É um desafio diário organizar e fazer a inserção dessa política de assistência social que tem carência de recursos, diferente da educação e saúde que já têm uma determinação maior no orçamento. Para a assistência social, é uma luta constante, visto que nos últimos anos já tivemos perdas significativas de recursos públicos para as políticas, em especial para as políticas de assistência social”, atenta Lilian. 

Ao ser perguntada se haveria a possibilidade de os CRAS voltarem para dentro do território da Maré, ela retoma e afirma que, em 2021, já deveriam ter 17 em toda a abrangência da 4ª Coordenadoria, porém só há 6 unidades. “A implicação de novas unidades, principalmente dentro da Maré, envolve a questão orçamentária e de acessibilidade, pelo alto impacto da violência.” 

 

Da esquerda para a direita: Tainá Alvarenga, coordenadora do Maré de Direitos, e Lilian de Brito, coordenadora da 4ª CAS do Rio de Janeiro. Foto: Douglas Lopes

 

A coordenadora do Maré de Direitos, projeto do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, Tainá Alvarenga, reforça que uma das formas mais potentes de colaborar com a melhoria das políticas é a articulação e o trabalho de incidência política. Por outro lado, é preciso também compreender o que realmente precisa ser modificado na estrutura de trabalho da assistência social e reivindicar ações concretas e diretas para o governo federal. 

“Cerca de 27 mil pessoas são atendidas pelos CRAS da 4ª CAS no Rio de Janeiro e o que estamos precisando em relação à estrutura, atendimentos, unidades, etc. para este setor? Estávamos na Pré-conferência Municipal de Assistência Social discutindo orçamento. Por exemplo, a gente só pode discutir aumento de equipamentos, discutimos a transferência desse orçamento e distribuição igualitária para a assistência. Essa área é a única política pública que ainda não tem um escopo orçamentário fixo”, afirma. As pré-conferências são marcadas pela construção de ideais junto à sociedade civil como forma de melhorar as políticas públicas e programas socioassistenciais do governo federal e funcionam como um evento de preparação para a Conferência Municipal de Assistência Social, realizada a cada dois anos (28 de junho neste ano).

 

Equipe do Atenda, uma ação integrada entre serviços públicos da saúde, assistência social e saúde mental

 

 

Exemplo de articulação em rede no território da Maré tem sido o Atenda, criado em 2017, que realiza um atendimento integral da população em situação de rua e redondezas da Maré, toda segunda-feira, no Espaço Normal, proporcionando uma garantia de direitos. Especialista em Saúde da Família e representante do CAPS Magal, Gizelly Ilha é uma das integrantes e conta sobre como tem sido essencial essa construção de pontes.

“Tem sido muito importante esse trabalho na Maré para observarmos as necessidades de seus usuários, as demandas de pessoas mais vulneráveis que chegam nas organizações coletivas e também de ampliar o acesso”, diz ao relatar sobre o aumento da demanda em saúde mental de jovens desde a pandemia. 

Duas assistentes sociais que estavam acompanhando o encontro destacaram que esse foi o assunto que mais chamou a atenção: “Para mim, o assunto que mais me marcou foi saber que tem tantos jovens sofrendo de ansiedade, contudo, o que eu levo é a experiência do conhecimento e de saber que cada dia mais o atendimento social vêm ganhando força. São muitos casos que me deixam impactada, mas a Redes da Maré tem um diferencial de acompanhamento ao usuário até o caso ser solucionado”, reflete a estagiária em assistência social da Casa das Mulheres da Maré Juliana Moura.

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