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Primeira apresentação pública da Carta para a Educação da Maré

Adriana Pavlova e Julia Bruce

No dia 14 de setembro, o Centro de Artes da Maré recebeu cerca de 90 pessoas, entre representantes das secretarias municipal e estadual de Educação, professores e diretores das escolas, além de responsáveis e alunos, para acompanharem e dialogarem sobre a Carta para a Educação da Maré, elaborada há três meses no 4º Seminário de Educação da Maré: Diálogos e possibilidades para garantia do direito à educação. A apresentação foi uma realização da Redes da Maré, em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares (NEPFE) da Universidade Federal Fluminense (UFF), com apoio do Fundo Malala no Brasil.

O documento reúne em 42 recomendações ao poder público os debates que marcaram o seminário e evidencia a singularidades do Conjunto de Favelas da Maré, como as diferentes particularidades em cada uma das comunidades; o fechamento de escolas regularmente devido às operações policiais - de 2016 a julho de 2023 foram 132 dias sem aulas; a defasagem entre série e idade; a falta de transporte público entre favelas; e a precariedade dos números de creches, unidades escolares com os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

 

Denúncias de problemas e soluções são registradas em cartas por grupos excluídos desde a época do descobrimento do Brasil

Cartas construídas coletivamente fazem parte de grande parte da memória de diversos países. Ao traçar uma linha histórica até esta carta, a primeira citada foi a de Pedro Vaz de Caminha ao rei de Portugal, logo após a chegada dos portugueses ao Brasil, sobre os povos originários que viviam no país e que não tiveram voz ou ingerência. A segunda é de Esperança Garcia, escrita no século 18, na qual a mulher negra escravizada, considerada a primeira advogada no país, pede ajuda ao governador do Piauí, denunciando os maus tratos e violência pelos quais passava - significando um ato de resistência e, cujo problema pessoal, também abrangia o coletivo de escravizados. No início do século 20, em Paty de Alferes, interior do Rio de Janeiro, um grupo de escravizados libertos, a partir de uma carta, pede ao governo que seus filhos tivessem a chance de estudar, porque assim teriam direito a voto. Tratou-se de uma carta coletiva.

Para a professora do Ciep Professor César Pernetta, Aline Brito, “a Carta para Educação da Maré também é fruto de um processo coletivo e que começou a ser escrita quando os moradores da Maré começaram a entrar na universidade, incentivados pelo pré-vestibular comunitário, mesmo que ninguém tenha se dado conta.” Outro marco para ela foram as reuniões com diretores e professores regulares realizadas a partir da proposição da Redes da Maré em 2021 e 2022. “Aqueles encontros já eram o princípio desse documento que agora está impresso.” E seguiu falando dos afetos que marcam a carta: “Quantos afetos estão nessa carta? É um documento escrito por muitas mãos, por união. Fomos melhorando juntos cada parte dela, cada frase, e agora ela está impressa. Como é que agora a gente sela essa carta?”.

 

 

 Foto: Patrick Marinho

 

Apelo aos profissionais de educação 

A Carta para Educação da Maré é dividida em quatro temas – 1) planejamento, 2) articulação e mobilização territorial, 3) acesso e permanência e 4) formação continuada. Um exemplo de como as questões levantadas pela carta influenciam umas às outras é a falta de infraestrutura das escolas que interfere no bom funcionamento da unidade escolar e também na qualidade do ensino. Uma das diretoras da Redes da Maré, Andréia Martins, fez um apelo aos professores para que se juntem na divulgação da carta, incentivando o diálogo entre os educadores. “Temos que entender a educação como algo coeso, com questões interligadas. Um dos objetivos da carta é juntar os professores para discutir o projeto político para a educação da Maré. Nossa proposta é realizar mais um seminário de Educação em 2024 e revisitar todos os pontos da carta para ver o quanto avançamos. Por isso é tão importante registrar e divulgar as ações que foram feitas a partir da carta”, reforça.

 

Articulações para modificar outras situações além da escola

Uma das recomendações da Carta, no quesito de articulação e mobilização territorial, é fortalecer a política intersetorial, com reuniões e ações entre as Secretarias de Educação e as demais secretarias do município e do estado. Em sua fala, a professora de serviço social da Universidade Federal Fluminense (UFF) Eblin Farage defendeu o comprometimento da universidade com a educação na Maré, destacando a importância de parcerias, que ajudem a pensar as particularidades da educação num território onde os direitos dos moradores não são assegurados. “As demandas da educação na Maré passam fundamentalmente pela questão da segurança pública e da necessidade de outras articulações entre secretarias e equipamentos públicos para o bom funcionamento da escola.” Eblin lembrou ainda da importância da implementação da Lei Federal nº 13.935, promulgada em 2019, que estabelece a obrigatoriedade da atuação de assistentes sociais e psicólogos nas escolas públicas. “Os diretores e os professores não dão conta de todas as questões relativas à saúde mental, por exemplo. Ampliar a educação é ampliar a perspectiva de vida dos moradores. Nossa luta é por uma educação pública para todos.”

Morador da Nova Holanda, Maurício Dutra, contou que sempre precisou complementar a renda dentro de casa, desde estudante. Como a Maré tem suas especificidades, ele estudou na Nova Holanda e depois não pode ir para a Escola Bahia. Fez preparatório da Redes para “mudar a realidade através do estudo”. “Existe a necessidade urgente de trazer escolas para dentro do território, por conta da dificuldade de mobilidade urbana. Em relação ao acesso e permanência, a Carta para a Educação da Maré recomenda ter mediadores, suporte em sala, transporte e benefícios assistenciais para estudantes com deficiência, por exemplo. Não é apenas garantir vaga, mas uma inclusão real. “Na Faetec, estudamos na aula de geografia o Índice de Desenvolvimento Urbano, e foi muito duro ver que a região onde eu moro está lá embaixo, quase uma das últimas nesse índice. É mais do que na hora de pensarmos como estamos sendo formados aqui para enfrentar a realidade lá fora. A carta é uma provocação. Entre outras características é reivindicatória”, afirma.

 

 Foto: Patrick Marinho

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