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Violence is not normal ... The use of force against the favela population is not normal ...

Redes da Maré se manifesta sobre operação policial no Conjunto de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, ocorrida em 06 de setembro de 2019

A violência não é normal ...

O uso da força contra a população das favelas não é normal ...

O Estado matar  não é normal  ...

Viver é Normal ...

Essa poderia ser qualquer sexta-feira de qualquer mês ou ano.  Mas foi o dia 06 de setembro de 2019. O dia que um grupo de crianças e adolescentes moradoras de algumas das 16 favelas que formam a Maré, acompanhadas por mães e educadores da Redes da Maré,  foram à Bienal do Livro, no espaço Riocentro, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Essa era a primeira vez que algumas dessas pessoas  participavam de um evento literário do porte da Bienal, em que puderam ter contato com um número significativo de livros e autores. Seria um  desses dias para não se esquecer, mágico pelas fantasias de muitas histórias novas, se não fosse atravessado pelas notícias que chegavam, a todo momento, pelas redes sociais sobre mais uma ação violenta das polícias em determinadas partes da Maré. Uma intervenção que durou o dia todo em que estiveram na Feira Literária e se estendeu até o período da noite.

O fato é que as crianças, ao retornarem da Bienal, por volta das 20h30, se depararam com um contexto de confrontos armados, com pessoas feridas e mortas – cenário que assustava e contrastava com o mundo de possibilidades e descobertas que as vivências nos livros lhes permitiam. Para chegar em casa, foi preciso se esgueirar por becos e vielas, se proteger atrás de carros e muros e caminhar, com muito cuidado, como se estivessem andando num campo minado de guerra.

São situações absurdas como essa que se repetem todas as vezes que há confrontos bélicos, envolvendo agentes da segurança pública e integrantes de grupos armados em regiões de  favelas e periferias.

Fato é que a operação policial que atingiu uma parte das favelas da Maré – o Parque União, o Parque Rubens Vaz, a Nova Holanda e O Parque Maré – no dia 06/09/2019, começou por volta das 5h20, prosseguiu durante todo o dia e somente acabou por volta da meia-noite. Foram mais de 19 horas de tensão, medo e confrontos armados que alteram o cotidiano e deixam marcas e tristeza pela dor e pelo sentimento de impunidade que caracterizam estes momentos.

Dois eventos culturais foram cancelados – o espaço onde seria realizado um deles foi ocupado pela polícia; escolas, postos de saúde,  igrejas e comércios foram fechados. Ou seja, mais uma vez os moradores são confrontados com uma realidade em que eles têm de acreditar  como parte da vida de quem habita áreas de favela. E, sem cansar,  nos indagamos: o que justifica uma operação policial tão longa e que submete toda uma população ao medo e a todo o tipo de risco que apontamos? Por que esse tratamento violento, desrespeitoso e cruel  com as populações das favelas?

A intervenção policial  deixou como saldo dois moradores mortos,  pessoas feridas, denúncias de invasão de domicílios, agressões, terror e pavor nas ruas. O que justifica uma ação do Estado sobre a qual só podemos falar a partir de fatos que são ruins? Por que enxergar, em princípio,  quem mora nas favelas como cúmplices de atividades ilícitas e criminosas? Mais uma vez a vida dos moradores das favelas  da Maré foi desrespeitada em nome de uma política de segurança que não produz efeitos concretos  e que  não garante  o  direito à segurança à população que ali reside.

Ao contrário disso,  constatamos o não cumprimento das leis por parte do próprio Estado quando se trata desse contingente. Em contextos como os vividos na Maré, a polícia militar não costuma comunicar de imediato as mortes de moradores, como é de sua responsabilidade, para que a polícia civil possa realizar a perícia. Ontem não foi diferente. Uma das pessoas assassinadas, o Sr. Pedro,  só foi  ser atendida depois de muita mobilização dos profissionais do Eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da  REDES da Maré, que, depois de várias ligações para a Divisão de Homicídios, acionou, ainda, o Ministério Público, para que ajudasse na peleja de levar os profissionais até o Parque União, onde ocorreu assassinato. O corpo do Sr. Pedro, atingido quando reabria sua barbearia, ficou, por mais de cinco horas, estendido na escadaria de sua casa. Essa situação submete os familiares da vítima a um quadro de sofrimento cruel.

Ao final da operação, o Estado alega mais uma vez que a ação foi um sucesso porque fechou uma rádio clandestina, fez apreensão de drogas e armas. Justificativa que se repete um mês depois de outra operação que obteve os mesmos resultados. Em outras palavras: se a primeira operação policial realmente tivesse sido um sucesso, o saldo desta última necessariamente deveria ter sido diferente. Por que não foi?

O fato é que, mais uma vez, famílias da Maré lamentam a morte de seus parentes, as crianças encerraram um dia de festa com medo, os moradores ficam reféns da angústia e da incerteza por suas vidas e seus direitos.

Não há solução possível para as questões de segurança pública nas favelas cariocas enquanto o Estado insistir na violência como a única forma de agir nesses espaços. Por isso, a REDES da Maré repudia o desrespeito com que o governo do Estado do Rio de Janeiro trata as milhões de vidas dos moradores das favelas e periferias. Não aceitamos a forma como vidas são desperdiçadas e interrompidas de forma brutal por uma política de segurança equivocada, violenta e ineficaz.

Acreditamos na educação e na palavra como principais armas de combate à opressão e à violência. É assim que reafirmamos nosso compromisso com a vida. Inspiradas(os) pela Bienal, proclamamos que a flor há de furar o asfalto, interrompendo a violência, furando o tédio, o nojo e o ódio. E que a poesia há de nos salvar da náusea destes dias ásperos, como nos ensina o poeta Carlos Drummond de Andrade. Enquanto isso, lutamos pela justiça e por nossa humanidade.

Tecedoras e tecedores da Redes da Maré

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