return
Interview • O Estatuto da Criança e do Adolescente e a efetivação de direitos na Maré

Por Andréa Blum e Jéssica Pires

Neste 13 de julho de 2021, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 31 anos. Este conjunto de leis e normas, criado em 1990 através da Lei 8.069, tem como objetivo fortalecer a proteção integral de crianças e adolescentes por meio de fiscalização e da construção de políticas públicas de atenção a essa população. Convidamos três de nossos tecedores envolvidos em trabalhos nesta frente para dividir suas impressões e olhares sobre essa ferramenta de luta pela garantia dos direitos de crianças e adolescentes de todo Brasil, sobretudo de favelas e periferias. Entenda a importância e impactos do ECA na Arte e Cultura, Educação e Primeira Infância de crianças e adolescentes da Maré. 

 

Arte, Cultura, o brincar e a diversão sem nenhuma exceção

Por Carlos Marra, Coordenador e produtor da Lona Cultural da Maré e Conselheiro Tutelar do bairro de Bonsucesso. Leia mais em »

 

*imagem*

 

Importante e necessário falarmos sobre a democratização da Arte, Cultura e Educação no nosso país. As políticas públicas existentes ainda não garantem de forma plena o acesso de crianças e adolescentes que vivem em territórios periféricos, favelados ou populares. No Brasil, somente 0,2% dos gastos públicos são destinados à Cultura, um valor irrelevante, considerando toda a diversidade e complexidade das diferentes culturas, manifestações e segmentos artísticos.

 

Enquanto Arte Educador, Conselheiro Tutelar, Gestor Cultural e também morador da Maré, que cresceu e ainda continua se construindo e se formando neste território, tendo sido influenciado e acionado de diferentes formas pela arte e cultura deste lugar e outras que me foram e são apresentadas, percebo cada vez mais que um dos caminhos possíveis da transformação, garantia de direitos, qualidade de vida, bem-estar e melhoria da saúde mental está no envolvimento com a ARTE e CULTURA, sempre de mãos dadas com a educação.

 

No Artigo 16, o direito à liberdade compreende os seguintes: “IV – brincar, praticar esporte e se divertir”. As crianças da favela vão sendo exigidas de responsabilidades cada vez mais cedo, tendo então todos os seus direitos violados; vão perdendo sua inocência, alegria e desejo de brincar. Meu trabalho está ligado diretamente em promover essas experiências novamente, de brincar junto com elas, e deixá-las serem crianças. O direito de brincar deve ser cuidado por todos: sociedade, Estado, família e responsáveis.

 

É muito importante que o Conselho Tutelar esteja atento a estas violações que podem gerar uma série de complicações na vida adulta de crianças e adolescentes que tiveram suas práticas de brincar interrompidas, retiradas, negadas, muita das vezes pela necessidade de assumirem tarefas que são de responsabilidade de adultos, até se submeterem ao trabalho infantil, que é crime, previsto no artigo 239 do ECA.

 

ECA e a Primeira Infância na Maré

Por Adelaide Rezende, Tabata Lugão e Ilana Katz, da equipe do projeto “Primeira Infância na Maré: acesso a direitos e práticas de cuidado”. Leia mais em » 

 

*imagem*

 

Desde a Constituição Cidadã, de 1988, nossa principal referência legal de acesso a direitos, as leis se debruçaram sobre os direitos das crianças e adolescentes, já anunciando uma especificidade para a primeira infância, quando, por exemplo, no Art. 208. parágrafo IV, determina o atendimento em creches e pré-escolas às crianças de 0 a 6 anos de idade, como dever do Estado, tornando a educação infantil um direito da criança e uma opção da família, pela primeira vez no Brasil. Em outro exemplo, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), desde quando publicado, já preconiza a primeira infância quando traz artigos que protegem a gestante, com atenção à criança desde sua gestação.

 

Uma lei pode ser modificada e/ou complementada por outra no avanço do debate pela sociedade, e assim ocorreu algumas vezes com o ECA nesses 31 anos. No que tange à primeira infância, as mudanças primordiais ocorreram a partir da Lei da Primeira Infância (Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016), conhecida também como o Marco Legal pela Primeira Infância. Ela “implica no dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral”, reconhecendo a fase de 0 a 6 anos como primordial a se ter políticas que garantam justiça social e equidade. 

 

Para orientar decisões, investimentos e ações que devem ser destinados a esse público, foi criado o Plano Nacional pela Primeira Infância, um documento político e técnico, construído em 2010 e revisado em 2020. Com abrangência até 2030, ele é anterior à Lei 13.257, e a inspirou, e por seguinte os planos municipais. Na cidade do Rio de Janeiro, nesse momento, o Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) passa por um processo de revisão. Trata-se de uma ferramenta política e técnica, legal e de caráter participativo, que deve garantir igualdade de acesso a direitos para todas as crianças de 0 a 6 anos, e atenção especial àquelas que mais precisam. O ECA foi fundamental para todos esses avanços, pois "nasceu numa perspectiva de reordenamento do atendimento à criança e ao adolescente assentada em uma ampla política de garantias de direitos” (Rezende, 2012). Porém, 31 anos depois, o Eca ainda não concluiu sua tarefa de garantir cidadania para todas as crianças do Brasil, e isso tem a ver com o subinvestimento: “dizer  que a criança é prioridade absoluta requer mais do que discursos edificantes'' (Katz, 2021).

 

O direito à educação no ECA – Que tipo de educação temos direito?

Por Daniel Remelik, coordenador pedagógico da Redes da Maré e Conselheiro Tutelar. Leia mais em »

 

*imagem*

 

A educação é um direito fundamental, porque inclui um processo de desenvolvimento individual próprio à condição humana. Além dessa perspectiva individual, este direito deve ser visto, sobretudo, de forma coletiva, como um direito a uma política educacional, a ações afirmativas do Estado que ofereçam instrumentos à sociedade para alcançar seus fins. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz, no Art. 53, quea criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (...); direito de ser respeitado por seus educadores”, entre outros pontos.

 

O estatuto também estipula os deveres do Estado no Art. 54: “é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; entre outros importantes pontos”.

 

O ECA, em si, tem as ferramentas necessárias para promover transformação em nosso sistema educacional, porém, gostaria de te convidar a refletir: quais e quantos dos direitos de nossas crianças e adolescentes estão sendo violados? Será que, de fato, recebemos uma educação de qualidade? A que tipo de educação temos direito? Quando penso nos equipamentos educacionais, na falta de professores e profissionais, na falta de investimentos e na discussão vazia de “escola sem partido” que mais me parece partido sem escola, tendo a procurar um culpado para tudo isso, mas é importante pontuar que o Poder Público não é o único responsável pela garantia desse direito. Conforme previsto no Art. 205 da Constituição Federal, "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." Nós, sociedade, não somos culpados, mas sim responsáveis, e por isso devemos clamar por mudanças. A lei existe e precisamos exigir que o Estado cumpra a sua parte. 

 

“A escola não transforma a realidade, mas pode ajudar a formar os sujeitos capazes de fazer a transformação da sociedade, do mundo, de si mesmos...” Paulo Freire.

Stay tuned! Sign up for our newsletter