voltar
12ª edição da Festa Literária das Periferias (Flup) pela primeira vez na Maré

Amanda Célio, Hélio Euclides e Julia Bruce

Um espaço de cultura e lazer, que ao mesmo tempo traga temas para a reflexão e criação de ações de avanços nos territórios. Essa foi a 12ª edição da Festa Literária das Periferias (Flup), que desembarcou no Centro de Artes da Maré entre os dias 5 e 11 de dezembro, trazendo temas que precisam cada vez mais ser debatidos. Todas as atividades foram gratuitas e abertas ao público, movimento contemplado com a parceria da Redes da Maré e Sesc.

A festa internacional tem como principal marca a realização em territórios tradicionalmente excluídos dos programas literários no Rio de Janeiro. A Flup já passou pelo Morro dos Prazeres, Vigário Geral, Mangueira, Babilônia, Vidigal e chegou na Maré com uma programação que foi desde lançamento de livros, rodas de conversa até duas edições de shows da Mostra Maré de Música.

As conexões estabelecidas entre a Flup e a Redes da Maré, além de fortalecer as 16 favelas do território, marca mais um passo na caminhada em direção ao direito à arte e a cultura, bem como a inscrição do Conjunto de Favelas da Maré, território com 62,1% de população preta e parda - de acordo com o Censo Maré (2019) -, nos debates acerca dos 100 anos do Modernismo Negro. Isso vai ao encontro da base de atuação do Eixo Arte, Cultura, Memórias e Identidades, incentivando o conceito de que a experiência artística amplia o território subjetivo de cada sujeito, aumentando sua capacidade de compreender, imaginar e agir no mundo.

Veja como foi!

 

 

Na véspera, no domingo (4), foi realizado no Museu de Artes do Rio, na Praça Mauá, o Dia da Escuta. O resultado das oficinas e roda de conversas foram apresentados no segundo dia da festa com direito à mesa de debate e exposição no Centro de Artes da Maré.

A Maré de Periferias trouxe à mesa “Escutatórias afetivas por um Museu da Sororidade”, que reuniu artistas do Coletivo de Mulheres da Universidade das Quebradas (UQ). O Projeto de extensão Laboratório de Tecnologias Sociais UQ, realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem como metodologia a troca de saberes, práticas de criação e produção de conhecimento, articulando experiências culturais e intelectuais produzidas dentro e fora da academia.

 

Violência contra as mulheres

Na terça-feira (6), uma das dinâmicas foi a realização da mesa que trouxe o tema violência contra as mulheres, no qual debateu o trabalho da escuta realizado com mulheres, com a formulação de depoimentos que foram transformados em formas de artes. As participantes da mesa disseram que saíram fortalecidas com a escuta. Lourdes Maria, professora de escola pública por duas décadas anos, destacou que uma das motivações para a realização da oficina foi o trabalho com a autoestima feminina. Já Ana Carla Rosa, professora de sociologia, destacou que foi muito importante se pensar no que fazer com as falas das mulheres. “Percebemos um papel social nas oficinas e sentimento. Ninguém chega pronta para falar, mas o que pensamos tem eco, não estamos sozinhas. A oficina foi algo significativo”, diz.

Outro encontro também proporcionou essa potencialidade de vozes e classes sociais, com a grande escritora Conceição Evaristo e a haitiana Yanick Lahens, para discutirem o tema “Diário íntimo: quando a escrita de si traduz o mundo”, com mediação da curadora Angélica Ferrarez. “Lima Barreto, já na República, quebra determinado conceito de literatura vindo das classes que detinham o poder cultural. Ele ajuda a nos pensar o que é o fazer literário”, enfatiza Conceição.

 

 

Quem venceu? Quem tá no topo, pergunta Jessé Andarilho?

Um dos autores que participou da mesa “QUILOMBO DO LIMA - Cemitério dos vivos: variações sobre a necropolítica”, Jessé Andarilho, lembrou que o Brasil é uma ideia muito distante que precisa ser colocada em prática. “A gente vive até hoje num país que foi construído imageticamente por muito pouca gente. Na verdade você tá falando de uma elite cultural que está pautando isso tudo. Por que essa lógica capitalista de “dizer que a favela venceu”? A gente tá ocupando esses espaços, a gente não precisa disso. Temos que falar a favela vencer: vencer escritora, vencer cineasta. Vencer”, afirmou o escritor.

 

SLAM: o grito sem notas e melodias

Afinal, o que é o Slam? O que caracteriza um? Na tentativa de sintetizar o que são slams ou poetry slams, como eram originalmente chamados. A própria Flup explica que “são competições de poesia falada, batalhas performáticas das quais participam poetas munidos de textos autorais, de até 3 minutos, sem acompanhamento musical, cenário ou figurinos e com a participação de um júri popular.”

Com uma competição que teve o total de quatro empates, sendo três entre os dois últimos competidores, Cotta!, o representante do Rio de Janeiro, se consagrou campeão com o segundo lugar ficando para Matriarck, representante de São Paulo. Em poucas palavras para definir o que esperavam da final, os jurados previram “potência periférica, pluralidade, poder da palavra e força feminina”.

 

As classificatórias do campeonato começaram na terça-feira (6)

E desse jeito se deu a competição. A potência periférica dos participantes foram evidenciadas em diversas poesias que contavam as vivências das comunidades, a força feminina ficou ao cargo de Apêagá, Matriarck e Tawane Theodoro, a pluralidade, assim como o poder da palavra, se fez presente em todos os participantes composto por homens e mulheres cis e transgêneros que se emocionaram e emocionaram também os jurados e o público presente.

“Isso é a realização de um sonho. Esse sonho não é só meu, é de todos os poetas que estão aqui e sei que todos eles estavam prontos para realizarem esse sonho também. Todo mundo que está aqui tem espaço e são grandes artistas”, afirmou o vencedor Cotta!.

Matriark complementa “Como o Cotta falou isso é um sonho para mim, para ele, para o Rio, para SP, para Minas, para o Brasil inteiro… isso é Slam BR. Foi difícil, quatro empates e eu já estava perdendo a conta. Mas tudo isso tem um impacto e uma responsabilidade muito grande que é levar poesia falada para as pessoas. Só tenho a agradecer. Axé para quem é de Axé”.

Apêaga, também representante de São Paulo, chegou a empatar com Cotta e Matriarck mas acabou ocupando o não menos importante terceiro lugar. Em seguida, Malokeko (SP), Bê Machado (RS) e Tawane Teodoro (SP), ocupando a quarta, quinta e sexta posição, respectivamente.

 

 

Slam Colegial

“Foi na escola que aprendi que posso ser a maioral: SLAM COLEGIAL, SLAM COLEGIAL” esse é o “grito de guerra” do Slam Colegial que aconteceu na Flup na última quarta- feira (7) e consagrou como campeã Stacy Ferreira, de 19 anos, representante da ONG Luta Pela Paz. Estreando no mundo slam, Stacy conta emocionada como se sentiu.

“É algo surreal porque eu nunca tinha mostrado meu trabalho para ninguém. E só de mostrar eu já me sentiria super vencedora por mostrar algo que é meu pela primeira vez. Estrear como campeã é super inexplicável”, afirmou.

O Slam Colegial se caracteriza como um movimento de formação e divulgação da poesia nas escolas públicas. Os jovens que competiram passaram por uma oficina de dois meses para se prepararem para as disputas até a final.

O campeonato contou com jovens representantes da Escola Bahia, Ciep Professor César Pernetta, Escola Municipal Tenente General Napion, Conselho Jovem da ONG Luta pela Paz e Preparatório Redes da Maré. A competição foi acirrada e decidida por décimos de diferença entre todos os competidores.

 

Participação de tecedores da Redes da Maré

Fechando a Flup na Maré, Anielle Franco, irmã da ex-vereadora Marielle Franco, lançou seu livro: “Minha irmã e eu: diários, memórias e conversas sobre Marielle” e integrou a mesa “A gente combinamos de não morrer”, com a participação da deputada estadual e cria da Maré Renata Souza, a coordenadora da Casa Preta da Maré, Fernanda Viana com mediação de da coordenadora do eixo Arte, Cultura, Memórias e Identidades da Redes da Maré, Pâmela Carvalho.

 

 

A equipe da Mostra Maré de Música também realizou as duas últimas edições de 2022 durante a semana da Flup e apresentou diversos talentos: Evy, Kamy Mona, No Lance, N.I.N.A. do Porte, Awurê, Banda Agona, Gutierry, Mc Natalhão e Nizaj. Os últimos quatro artistas também fizeram parte dos oito selecionados para o edital do projeto, em parceria com a co.liga e o Canal Futura, com patrocínio do Itaú.

A iniciativa, que selecionou apenas artistas mareenses, tem o objetivo de profissionalizar e incentivar a produção musical do território. No momento, eles estão recebendo uma bolsa de incentivo para a formação, viabilização e execução de seus projetos, além de gravação de um single em estúdio profissional em colaboração com um artista já inserido no mercado fonográfico, produção de um videoclipe, serviço de assessoria de imprensa, participação na Mostra, entre outras oportunidades.

 

Fique por dentro das ações da Redes da Maré! Assine nossa newsletter!