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Maré é referência em ações de saúde em favelas e periferias no Brasil

Andrea Blum, Everton Pereira e Julia Bruce

As ações em saúde historicamente realizadas pela Redes da Maré ganharam ainda mais corpo em 2020, com o início da pandemia e a partir da campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus, que veio como resposta para as necessidades dos moradores, em três frentes principais de atuação: segurança alimentar, cuidados em saúde e direito à educação. As mesmas foram aprofundadas, em 2021, por meio dos projetos Conexão Saúde - De Olho na Covid e Impacto de Vida, e da campanha Vacina Maré - criados para mitigar os efeitos da pandemia na Maré. Assim, nasceu, em 2022, mais uma linha estratégica de atuação no território, a partir da criação de um novo eixo temático na instituição: Direito à Saúde.

Durante a pandemia, combatendo de maneira robusta a insegurança alimentar, a instituição recebeu doações e realizou a distribuição de cestas básicas, quentinhas para a população em situação de rua, álcool em gel, equipamentos de proteção individual (EPI) para os profissionais de saúde e máscaras produzidas por moradoras, para tentar mitigar os efeitos causados pela crise humanitária. Para isso, foi preciso fazer uma articulação com a sociedade civil, moradores, empresas, doadores, e também com órgãos públicos da saúde. Cerca de 70 mil moradores da Maré foram beneficiados diretamente, entre 2020 e 2021, e 74 mil refeições foram entregues a pessoas em situação de rua.

Uma série de atividades foi surgindo a partir da presença no território, da escuta das necessidades dos moradores e das articulações territoriais, que deram corpo a novas atividades, como a higienização de todas as ruas, vielas e becos da Maré, e a criação de um projeto, em parceria com a Fiocruz, para trazer para dentro da favela espaços de testagem e mobilização de comunicação no sentido de atuar na prevenção e redução do contágio. Com isso, atrelado à campanha, nasceu o projeto Conexão Saúde, que realizou mais de 55 mil testes, mais de 15 mil atendimentos em Telemedicina e cerca de 1.400 pessoas foram atendidas pelo Isolamento Seguro Domiciliar. Tais ações fizeram com que a taxa de mortalidade na Maré fosse 46% menor do que em outras três favelas do Rio de Janeiro, com o mesmo quantitativo populacional.

 

Acesse a publicação: “Maré e Manguinhos: uma experiência de inovação e mobilização em saúde durante a pandemia”

 

No momento em que a vacinação contra a covid-19 foi iniciada no Brasil, o conjunto de 16 favelas da Maré foi o primeiro a realizar uma vacinação em massa, com a imunização de moradores entre 18 e 33 anos, por meio da campanha Vacina Maré. Em 4 dias (29/07 a 01/08/2021), a campanha vacinou, com a primeira dose, mais de 36 mil pessoas contra a covid-19, em parceria entre a Fiocruz, a Secretaria Municipal de Saúde e a Redes da Maré. A campanha também realizou um novo mutirão para a segunda dose, entre 14 e 16/10/2021.

De acordo com dados da última edição do Boletim Conexão Saúde - De Olho no Corona, até 20 de janeiro de 2022, 82% da população mareense (106.829 pessoas) já tinha tomado a primeira dose, 70,4% (93.220) tomou a segunda dose e 16% (20.605) já tinha tomado a dose de reforço. A partir dali, foi lançada a Pesquisa Maré, ainda em andamento, sobre a efetividade da vacinação e criação de anticorpos, em uma coorte de mais de 6 mil pessoas, pesquisa genômica e uma outra coorte de mais de 800 pessoas sobre Covid Longa. Os resultados e publicações referentes à pesquisa estão sendo atualizados aqui.

Em 2022, com a consolidação do eixo Direito à Saúde, a equipe manteve a continuidade das ações no combate à insegurança alimentar, com distribuição e qualificação constante das informações sobre a segurança alimentar na Maré e ações pontuais para os moradores que permaneceram em vulnerabilidade social. Um dos exemplos foi a campanha Maré Sem Fome, realizada entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, cuja equipe social da Redes da Maré, desde agosto de 2021, vem mantendo em atualização a situação das famílias no banco de dados da instituição, fazendo visitas domiciliares e entrevistas sociais. Foram identificadas mais de 6 mil famílias em insegurança alimentar e que já passaram por algum projeto da Redes da Maré, como o Impacto de Vida ou cursos do eixo Educação.

 

 

Pessoas que se encontram em situação de rua na Maré também vêm sendo beneficiadas, cada vez mais, pelo trabalho do eixo, através do atendimento do projeto Espaço Normal - o único espaço de referência sobre drogas em uma favela do Brasil, que traz o debate sobre drogas a partir de uma perspectiva em saúde, de redução de danos. O projeto ainda dispõe de um equipamento de acolhimento, que se tornou um espaço de convivência para população em situação de rua e/ou que faz uso abusivo de álcool e outras drogas, tendo como metodologia a redução de danos, com atendimento psicossocial, encaminhamento à rede de assistência e de saúde pública, espaço para convivência e trocas de conhecimento, além de lavagem de roupa, banho, e cozinha. Em média, por dia, são assistidas 100 pessoas.

 

A redutora de danos Lilian Leonel foi uma das primeiras pessoas assistidas pelo Espaço Normal e contou sobre sua trajetória no equipamento durante a 2ª Semana de Saúde Mental na Maré, o “REMA MARÉ", em novembro de 2022.

 

Um dos sintomas que mais apareceram a partir da pandemia foi queda de qualidade da saúde mental, com diversos pedidos de ajuda psicológica, sobretudo de populações que vivem em vulnerabilidade social ou em regiões com ausência de estruturas, serviços e direitos básicos. A Redes da Maré realizou, em setembro de 2021, o REMA MARÉ: Semana de Saúde Mental na Maré, um evento que, ao longo de uma semana, promoveu o debate sobre a saúde mental e a importância do acesso a esse direito, com diversas atividades e expressões artísticas, além do lançamento de uma cartilha de como acessar a rede de assistência do território.

A primeira edição contou com o lançamento da pesquisa internacional inédita ‘Construindo Pontes’, realizada nas 16 favelas da Maré, no Rio de Janeiro, entre 2018 e 2020, em parceria com a organização britânica People’s Palace Projects, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O estudo buscou investigar o impacto de conflitos armados e violência urbana sobre a saúde mental e o bem-estar dos mais de 140 mil mareenses.

Dada a relevância do tema, em 2022, realizou-se a 2ª Semana de Saúde Mental na Maré, que contou com uma série de mesas sobre as práticas e cuidados com a saúde mental,  apresentações artísticas, além das “Oficinas “ e “Diálogos” com os coletivos selecionados pela chamada pública do projeto. Cerca de 230 pessoas participaram das atividades propostas.

 

Projetos e parcerias com demais eixos da Redes da Maré

O eixo Direito à Saúde, em parceria com o eixo Direitos Urbanos e Socioambientais, criou em março de 2023 o projeto Respira Maré, que vem fazendo um diagnóstico sobre a situação da qualidade do ar e das Ilhas de Calor em todo o território da Maré, com a expectativa de mensurar o impacto na saúde da população mareense. Diariamente, cinco articuladores estão em campo realizando a coleta de dados com medidores de temperatura.

A partir de maio deste ano, junto à equipe da Casa Preta da Maré, será iniciada a produção da chamada “Cartilha do Coração”, um projeto de construção participativa de um documento com orientação em cuidados de doenças cardiovasculares da população negra mareense. O projeto está promovendo um processo seletivo para a formação de uma equipe de mobilizadores. O propósito é criar grupos focais em cada uma das Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Maré com o público-alvo no sentido de fortalecer os usuários e os profissionais sobre essa temática e interferir no processo, inclusive nas gerações seguintes.

Todo esse trabalho tem feito com que a Maré, nos últimos tempos, tenha se tornado uma referência em ações de saúde em favelas e periferias no Brasil. A equipe do eixo Direito à Saúde vem sendo convidada a dividir experiências em diversos eventos como a 13ª Conferência Nacional de Redução de Danos, a XXIV Jornada Nacional de Imunizações da Sociedade Brasileira e Imunização (SBIm) 2022, o 13º Congresso de Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e os nossos próprios eventos, como o REMA MARÉ e o Seminário Internacional do Vacina Maré, realizado na Fiocruz.

 

Fotos por: Douglas Lopes e Patrick Marinho

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