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A morte de crianças e adolescentes não pode ser tolerada como efeito colateral das operações policiais  

Na manhã do dia 20/06/2018, no conjunto de favelas da Maré, dois adolescentes de 14 anos se dirigiam à escola para mais um dia de aulas. Porém, não conseguiram completar o caminho: um deles, Marcus Vinícius da Silva, foi atingido por um disparo de fuzil e morreu horas depois no hospital. Além dele, outras sete pessoas foram mortas em operações policiais naquele dia.

Testemunhas disseram que o tiro foi disparado de dentro de um blindado da polícia militar do Estado do Rio de Janeiro – o “caveirão” - que estava no local onde o adolescente foi baleado. Esse fato foi confirmado pela mãe de Marcus Vinicius, Bruna da Silva, que ouviu do próprio filho, antes dele falecer, a pergunta: “eles não viram que eu estava de uniforme (da escola)?”

Infelizmente, depois dessa morte trágica, muitas outras crianças e outros adolescentes negros moradores de favelas morreram em circunstâncias parecidas. Só nos últimos cinco anos, mais de 100 crianças e adolescentes foram baleados, 30 deles perderam suas vidas, durante as chamadas “operações policiais”.

Foi o que aconteceu com o adolescente Thiago da Conceição (16 anos de idade), também atingido por um tiro de fuzil dentro de casa no Complexo da Penha, no último dia 18 de junho de 2021, enquanto acontecia a operação policial ironicamente chamada de “Coalização do Bem”. Nessa ação, foram utilizados mais de 400 homens das polícias civil e militar. Mesmo com todo esse aparato não se evitou a morte de mais um adolescente, bem como as mortes de outras três pessoas.

Na coletiva de imprensa, a polícia fez um “balanço” e considerou que a “missão foi cumprida”, pois houve prisões, apreensões de armas, drogas e mortes de “traficantes”. Não houve, em nenhum momento, o lamento pela morte de Thiago - e das outras pessoas - ou a solidariedade para com a família do adolescente.

Na verdade, as entrevistas policiais traduzem bem aquilo que o pensador camaronês Achille Mbembe chama de “necropolítica”, conceito segundo o qual o Estado se dá ao direito de decidir quem vive e quem morre baseado em princípios racistas e de classe. Isso explica os repetidos casos morte de pessoas pobres, negras e faveladas provocadas pelas forças de segurança pública no Rio de Janeiro.

O trabalho policial deve servir para preservar vidas e não para eliminá-las. Não podemos mais aceitar que o Estado continue com sua política de segurança que condena milhares de pessoas, moradoras das periferias e favelas, a uma vida de medo e risco eminente de morte.

O fato é que, após três anos e apesar da comoção pública causada à época, até hoje os culpados pelo assassinato de Marcus Vinícius não foram identificados e punidos como manda a lei.

E, neste exato momento, assim como a família de Marcus Vinícius, as famílias de Thiago da Conceição, da jovem Kathlen Romeu – grávida e também morta durante uma ação policial recentemente - e tantas outras famílias negras, pobres e faveladas vítimas da política de segurança do Estado, choram a morte de suas crianças, adolescentes e jovens.

Até quando o Estado explicará essas mortes como “efeitos colaterais” de uma política de segurança que na realidade é equivocada, racista e assassina?

Por tudo isso, no dia em que se completam três anos da morte de Marcus Vinícius, a Redes da Maré se solidariza com sua família e com todas as famílias atingidas pela violência que provocou a morte prematura de suas filhas e filhos.

Reafirmamos nosso compromisso com a construção de uma sociedade mais justa, democrática e, portanto, antirracista, onde a vida seja o bem mais precioso a ser preservado e cuidado.

 

Tecedoras e Tecedores da Redes da Maré

 

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2021

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