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O que comemorar no dia da favela?

O dia 04/11 foi instituído pela lei estadual Nº 8.489 de 2019 como o “Dia da Favela”.  No seu primeiro artigo a lei afirma que a data passa a integrar o calendário comemorativo do Estado do Rio de Janeiro, e nos artigos dois e três diz que o poder público fomentará (incentivará) a promoção de parcerias entre entidades públicas e privadas para a realização de eventos culturais no estado e nas escolas públicas em comemoração pelo dia da Favela.

 

Porém antes de “comemorar”, precisamos pensar bem sobre o significado de um Dia da Favela no calendário oficial. Isso porque não se pode, em primeiro lugar, falar em favela sem entender do que estamos tratando. A favela existe há mais de cem anos no Rio de Janeiro e mesmo assim ainda é muito mal compreendida, sendo vista como um “problema” e como uma ameaça. Se olharmos para a construção do imaginário sobre a favela – melhor seria dizer as favelas, no plural, para expressar a diversidade delas – veremos que desde seu surgimento ela abrigou os mais pobres, os negros, os nordestinos e todos aqueles que não se enquadravam no que se chamava de “boa sociedade”.

viva favela

Praia de Ramos

Precisamos ainda reconhecer que a origem das favelas remota às nossas desigualdades sociais, culturais, raciais e econômicas mais gritantes. Estudos recentes, por exemplo, apontam que morar numa favela pode significar menos 20 anos de vida quando comparado com a expectativa de vida de um morador de áreas mais ricas da cidade.

Por isso, não há como “romantizar” as dificuldades enfrentadas pelos favelados. Desde o surgimento desses territórios populares no Rio de Janeiro, começando pela primeira favela, o Morro da Providência, as favelas sempre sofreram com o racismo e com o preconceito. E mesmo depois de tanto tempo, seus moradores e moradoras são, ainda hoje, tratados como cidadãos de segunda categoria. 

No entanto, cabe reconhecer a força da organização coletiva dos favelados e faveladas ao longo do tempo. Desde sempre elas e eles se acostumaram a lutar por seus direitos e a resistir a inúmeras tentativas de remoção e destruição de suas casas. Embora, muitas vezes, não tenham sido bem-sucedidos, pois acabaram perdendo a batalha para o Estado, que de mãos dadas com os especuladores imobiliários - interessados nos terrenos ocupados pelas favelas – retiraram milhares de moradores de mais de uma centena de favelas ao longo da história do Rio de Janeiro. 

Por isso, temos de ter cuidado quando ouvimos de algumas pessoas, talvez mais entusiasmados com a recente atenção que as favelas têm recebido da mídia - atenção nem sempre positiva -, quando afirmam “que a favela venceu”. Na verdade, isso ainda está para se consolidar, já que a luta dos favelados por direitos básicos, como o direito à vida, e por respeito tem de ser conquistados diariamente e com muita persistência. Lembremos que oficialmente – pela definição do IBGE - as favelas ainda são definidas como “aglomerados subnormais”.

 É verdade que os moradores e moradoras das favelas cariocas a cada dia avançam no sentido de construir lutas coletivas que enfrentam as desigualdades a que estão submetidos. Caso, por exemplo, da intensa mobilização realizada para dar conta, quase sozinhos, dos desafios da pandemia de Covid-19.

Lutas como essa constroem ações cujo impacto melhora a vida dos favelados e, na sequência, podem ajudar a construir uma cidade mais justa e igualitária. Isso porque não há cidade sem a favela, ela é cidade. É desse território, a favela, de onde partem as maiores lições de solidariedade hoje. Essas lições ajudam na renovação das relações entre as pessoas e criam novas formas de sociabilidade e cultura, cada vez mais inclusivas e em redes de apoio que fogem dos padrões excludentes do mercado. 

A favela, sem deixar de reconhecer os inúmeros problemas estruturais pelos quais passa, é um lugar de riqueza, criatividade e de crença num futuro melhor. Se olharmos desse jeito para as mais de 1.300 favelas do estado do Rio de Janeiro, e poderíamos incluir também as favelas espalhadas pelo Brasil, teremos, aí sim, o que celebrar neste 4 de novembro.

Fotos: Douglas Lopes

Viva a Favela!

 

Redes da Maré 

 

Rio de Janeiro, 04 de novembro de 2021

 

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