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Maré por Justiça

As dez mortes ocorridas em uma madrugada de junho de 2013 na Maré, maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, poderiam ser apenas mais um triste episódio, dentre tantos registrados no violento cotidiano carioca, sem que deles resulte debate ou consequência digna de nota. O clamor da população local por justiça e o seu questionamento da atuação da polícia naquele território propiciaram um desenvolvimento diferente da situação.

A investigação pela Divisão de Homicídios resultou na instauração de oito inquéritos. Um ano após as mortes, busca-se esclarecer o que pode ter gerado as ações e reações da Polícia Militar, que — mesmo ao enfrentar grupos civis armados — jamais poderiam ter o padrão ocorrido. Não sem razão, a mobilização de moradores da região e de vários cantos da cidade, num misto de revolta e busca por justiça, vem tornando as mortes na Maré tema de reflexões sobre a ação das polícias no Rio.

O caminho trilhado pela sociedade civil para obter a elucidação e a reparação por parte da polícia tem sido o acompanhamento sistemático dos procedimentos investigativos. Para que a investigação tenha qualidade, é preciso garantir a participação das pessoas que testemunharam as violências relatadas — objetivo nada banal, dado o contexto histórico de intimidação e receio dos moradores de favelas no relacionamento com as forças policiais. Este tem sido o grande desafio para os que querem chegar aos responsáveis pelas brutalidades assinaladas.

Nesse sentido, preocupam indícios de que dificuldades inerentes ao contexto e ao processo de investigação podem não levar ao esclarecimento de como cada morte aconteceu e quem as provocou. A perspectiva de que, de dez homicídios, oito poderão ser caracterizados como autos de resistência, categoria em que a autoria do crime recai sobre a própria pessoa vitimada, nos deixa perplexos e causa grande frustração.

Um avanço em direção oposta a esse sentimento pode ser a aprovação da Lei 4.471/2012, em tramitação no Congresso Nacional. A sua aprovação poderá significar o fim da caracterização dos homicídios ocorridos em confronto com a polícia como ‘autos de resistência seguidos de morte’. Dessa forma, espera-se que os crimes cometidos por policiais passem a ser rigorosamente esclarecidos, e fatos incompreensíveis e inaceitáveis como os ocorridos na Maré deixem de acontecer, já que os profissionais da segurança pública devem ter como princípio a proteção e o respeito à vida.

 

Eliana Sousa Silva 

Diretora fundadora da ONG Redes da Maré, pesquisadora em segurança pública e professora visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP

Artigo publicado no jornal O Dia em 06/07/2014 (Fonte: O Dia)

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